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Wednesday, September 12, 2012

Maestro da "Canção do Expedicionário" foi perseguido por suposto apoio aos países do Eixo

Lizbeth Batista e Roger Marzochi

Um dos mais belos hinos militares brasileiros, a “Canção do Expedicionário” poderia ser como uma prece entoada pelos soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB), enviados para a Itália a partir de julho de 1944 a fim de combater o nazi-fascismo. No dia 15 de setembro do mesmo ano, a FEB entrou em combate. E muitos soldados poderiam se apegar ao refrão da música, que ficou famosa nas vozes de Francisco Alves e Inezita Barroso: “Por mais terras que eu percorra / Não permita Deus que eu morra / Sem que volte para lá / Sem que leve por divisa, esse V que simboliza a vitória que virá.”

Um documento guardado no Arquivo Público do Estado de São Paulo traz uma curiosidade sobre um dos autores desse hino, que reflete a histeria que a Segunda Guerra causou na sociedade: Spartaco Rossi, o maestro responsável pela música, com letra do poeta e jornalista Guilherme de Almeida, foi investigado por quase um ano em inquérito da Superintendência de Segurança Pública e Social, aberto no dia 3 de outubro de 1942, sob a acusação de ser “adepto” do eixo e de injuriar o Brasil. O maestro e outras dez pessoas também foram indiciadas no mesmo inquérito.

À época, Rossi era diretor artístico e maestro da orquestra da Rádio Tupy e foi denunciado pelos músicos João França Júnior, Pascoal de Lascio e Vicente Nigro, que também faziam parte da orquestra. Entre as acusações, estavam a de que Rossi argumentava que a Alemanha e a Itália comandariam o mundo, que mandou retirar a bandeira do Brasil e dos Estados Unidos do auditório da Rádio e até pelo fato de falar alemão e ser casado com Wilma, a jovem alemã que ele conheceu em Hamburgo e com quem se casou em 1934. O maestro montou uma orquestra de brasileiros para tocar nos navios do Lloyd Brasileiro em 1929, realizando vários shows na Europa, e ficando um ano na Alemanha, antes da Segunda Guerra estourar.

Em sua defesa, Rossi, apoiado por outros músicos e pelo próprio diretor-superintendente da Rádio, Armando Bertoni, também denunciado, negou as acusações à Polícia, argumentando que partiam de músicos demitidos por ele da orquestra por serem “elementos pouco recomendáveis na orquestra, quer por serem pouco trabalhadores e esforçados, como por infringirem os dispositivos contratuais que não permitem aos músicos da emissora tocar em outra qualquer.”

João França era também chefe da orquestra do Cabaré Ok, num casarão na esquina da Ipiranga com a Rio Branco. Sobre a retirada das bandeiras do auditório, Rossi explicou que lá estavam devido a uma homenagem ao aniversário do presidente norte-americano Franklin Roosewelt e que, portanto, após a cerimônia, as bandeiras foram retiradas.

O inquérito foi arquivado no dia 8 de agosto de 1943 por falta de provas. No dia 22 de agosto, o Brasil declarou guerra ao Eixo, mesmo mês em que a FEB foi instituída. A “Canção do Expedicionário” foi gravada por Francisco Alves pela Odeon em setembro de 1944, após Guilherme e Rossi terem vencido um concurso promovido pelos veículos de comunicação de Assis Chateaubriand.

Surpresa

Ricardo Rossi, filho único do maestro, ouviu seu pai comentar apenas uma vez que já havia sido fichado, mas nunca entrou em detalhes. Para ele, é uma surpresa saber da existência desse inquérito, especialmente pelo fato de o pai ter composto a música da “Canção do Expedicionário”. “Naquela época, falar em alemão já era crime. Ele era amigo do Guilherme de Almeida e fez a música porque eles venceram um concurso”, explica Ricardo, que lembra que seu pai era um bom homem, mas extremamente rígido no comando de orquestras.

Duas pessoas que trabalharam sob a batuta do maestro também ficaram surpresas ao saberem dessas acusações. Saxofonista e clarinetista, Franco Paioletti tocou com Rossi na Rádio Nacional na década de 50 e com França Jr no Cabaré Ok, e disse que nunca ouviu nenhum rumor sobre essa história de ambos os músicos. Ele perdeu o contato com França Jr e a reportagem não conseguiu localizar sua família. “Eu nem tinha ideia. Músico sempre está em outra. Queria tocar. Éramos jovens, queríamos nos divertir. Foi uma das melhores épocas da minha vida”, disse Paioletti, em entrevista, há dois anos.

Inezita Barroso, também em entrevista há dois anos, conta que nunca ouviu essa história. Meses após sua estreia na Rádio Nacional, Inezita foi convidada para cantar com a orquestra de Rossi e se tornou uma das principais intérpretes da “Canção do Expedicionário”, a qual gravou um disco com a Orquestra da Força Pública.”Não tinha intimidade com as pessoas em fins da década de 40, principalmente uma pessoa mais velha assim.”

Ela lembra de ter encontrado Rossi e Guilherme de Almeida em algumas festas. “Até que ele (Guilherme) compôs a 'Canção do Expedicionário', que pouca gente gravou. Eu que gostava muito de banda - e a mulher do Spartaco tinha um programa de bandas, que tocava todo dia de manhã lindas coisas com banda, na Rádio Nacional - tive um contato assim com o Spartaco, de aprendiz e ele de grande maestro. Fiquei maravilhada quando li a letra da música, com a ideia do Guilherme de juntar letras famosas de músicas brasileiras. E cantei muito essa música no início da carreira, gravei com a Força Nacional, e era chamada em todos eventos para cantá-la.”