Danos colaterais
Roger Marzochi
Foto do aquivo de Nicolau Centola
Quinta avenida, quarta-feira dia 12 de setembro de 2001. Nova York já havia experimentado a fúria do ataque extremista às torres gêmeas do World Trade Center (WTC). O Ground Zero, como foi batizada pelos norte-americanos a área destruída pelo desmoronamento dos gigantescos edifícios, estava já gravada na mente estarrecida do planeta. A fumaça e a poeira, que continuavam ainda sendo carregadas pelo vento, parecia obscurecer toda a cidade. Diferentemente da fúria que muitos norte-americanos vinham demonstrando, o saxofonista Jessi Smith foi para a quinta avenida praticamente vazia, acreditando que com a música pudesse de alguma forma atenuar a tristeza e o medo. Em arranjos belíssimos de blues, seu o som ecoou por entre os edifícios, até o coração de Mannhattan. "Não é possível acreditar no que aconteceu. A política internacional dos Estados Unidos provocou isso. Mas é preciso de alguma forma dar conforto às pessoas, talvez com música", disse Smith, que à época conseguia 50 dólares por dia tocando nas ruas da cidade.
Conforto e segurança foram tudo o que os Estados Unidos perderam após esse ataque. Os mais de 3 mil mortos injustamente por Osama Bin Laden tiraram dos americanos o sentimento de invencibilidade. "Nós não somos, nem nunca fomos imbatíveis, super heróis, imortais. O mundo precisa entender que também precisamos de ajuda e compreensão", disse Mary Monahan, atriz da Pensylvania, que reconhecia que a ação era uma resposta aos atos cometidos pelos Estados Unidos durante anos, mas que não podia acreditar na morte de inocentes.
Na quinta-feira, dia 13, ameaças de bomba nos prédios do JP Morgan e Chase, próximos à avenida Park, colocaram a cidade em pânico. Polícia e bombeiros rondavam a cidade como que perdidos entre tantos alarmes falsos. As pessoas corriam da área onde havia a ameaça, lotando calçadas e fechando parcialmente as ruas, caos completo e desespero. "A cidade nunca vai ser a mesma. Dizer que voltamos ao trabalho normal não é possível. Nada estará na normalidade", lamentou Diana Ramona, funcionária do banco Chase que havia se retirado do prédio junto com outros colegas de trabalho após a ameaça de bomba. No Central Park um avião cortou os céus durante o período em que os aeroportos haviam sido fechados. Atônitos os nova-iorquinos olhavam para o alto, continuando a caminhada após perceber que era um avião da Foça Aérea Americana.
Não há como negar que esse foi um ataque covarde, igual a outros também lançados pelos Estados Unidos. O Al-Qaeda conseguiu matar pessoas de 82 nacionalidades nas torres gêmeas. No momento do choque do primeiro avião com a primeira torre do WTC, a maioria das pessoas que lá estavam era composta de gente simples. Lavadores de janela, faxineiros, cozinheiros, garçons, secretárias. Norte-americanos, indianos, brasileiros, árabes, mexicanos e outros tantos já naturalizados. "A nata da sociedade nova-iorquina vai trabalhar depois das 8h. O nosso país fez coisas certas na história e também cometeu muitos erros. Mas pessoas simples não podem pagar pelos erros de um governo. Foi um crime", completa Mary. Um executivo do Texas, que tomava café na manhã do dia 12, há 60 quarteirões dos escombros do WTC, vendo passar uma garota com máscara de proteção contra a poeira, disparou críticas ao presidente Bush, por indiretamente ser o responsável pelo ataque. “Foi um crime bárbaro... mas infelizmente Bush provocou isso.”
Na avenida Lexington, no prédio da polícia de Nova York, onde foi montado um dos centros de coordenação do resgate de sobreviventes, emergiu um tipo de cemitério sem corpos. Por todas as paredes, cabines telefônicas, muros, espalhavam-se cartazes com o rosto das vítimas, no desespero das famílias e amigos que mantinham a fé de reencontrar os desaparecidos. Velas, tristeza e compaixão. Algumas fotos, já molhadas pela chuva que caíra na sexta-feira 14, mostravam pessoas sem rosto, cores misturadas, a própria caricatura da mutilação.
Os ataques trouxeram para o centro da civilização ocidental a noção dos “danos colaterais” de uma guerra, do modo jamais experimentado pela maior potência militar do planeta. Que os americanos e os povos de 82 nacionalidades, cujos conterrâneos perderam a vida nos ataques, transformem sua revolta em ação pelo voto e pelo protesto. A dimensão da tragédia pessoal nunca pode ser esquecida nem com os ataques aos Estados Unidos, nem com a invasão criminosa do Iraque, da tragédia cotidiana dos palestinos e libaneses.
2 Comments:
Oi Roger,
Adorei o seu texto.
Um retrato perfeito a ser colocado na parede da memória.
Um abraço.
So
Achei que você nunca fosse escrever sobre isso. Valeu a espera, gostei.
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