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Friday, August 17, 2007

Idade das trevas

A comoção descomunal pela morte de 199 pessoas no acidente aéreo em Congonhas, trágico como qualquer outro acidente que provoque ao menos uma única morte, voltou a expor as feridas de uma sociedade que, nem bem se entende enquanto sociedade, aceita-se a ser comparada a países tão diversos como a Índia, a Rússia e a China, que formam a sigla “Bric”, que um banco estrangeiro interessado em vencer na roleta da especulação global, decidiu uni-los todos na mesma face, num mesmo dado. E no jogo, há especialmente truques para garantir a sorte.

Mas o Brasil não pode ser chamado de “país”, se nele compreender o sentido do bem estar social, do desenvolvimento, da distribuição de riquezas. Espaço da mão-de-obra barata, mas com os impostos! Pobres, não terão como competir com a Índia nem na atração de empresas de “Call Center” ou software. Gente dotada de grande criatividade, mas que lhe serve apenas para não cair no cheque especial quando muito, porque se for para abrir uma empresa e colocar a idéia no mercado em forma de produto... Melhor pedir ajuda à máfia russa. País de dimensões continentais e de grande riqueza, mas que é concentrada na mão de nem 10% da população. Uma praia no fim de semana? Nem isso às vezes o povo consegue usufruir, porque se criam “condomínios” particulares em terras públicas, da Marinha.

Seriam políticas de “castas” que tornam essa distinção entre o que deveria ser igual, ou de oportunidades equânimes, tão notória? O que é que vale neste país? George Soros, em entrevista ao Roda Viva neste ano, ao menos deu uma explicação convincente: serve para aplicar dinheiro captado a custo próximo a zero no Japão para render o que a Selic rende hoje. Ou será que somos ainda “índios preguiçosos”, “imigrantes” que só se entendem em seus guetos, mas que se perdem na rua lá da esquina, a divisão “natural” entre os bairros? Somos um pouco de cada coisa, limitados por um pouco de tudo, um tipo de “tragédia anunciada” num projeto de construção de um país.

A saída voluntária dos militares e a volta “assistida” da democracia em 1985 ainda não gerou uma sociedade propriamente dita. Não conseguiu curar os estragos dos 20 anos de ditadura militar. Assim como a eleição de Lula não pode mais ser vista como o ápice da esquerda no poder, que lutaria por melhores condições de vida. Um presidente, eleito sob a bandeira da ética, na defesa daqueles que não têm o que comer, num partido avaliado pelos cientistas políticos como autêntico, de base, de raízes, não pode se manter no poder sem ter cumprido o que defendia.

Mas vemos a política ainda como uma partida de futebol, como vê o presidente Lula em quase tudo. Memórias da ditadura? Talvez. Alguns ainda não se deram conta que o discurso de Lula hoje não representa mais o ideário da sociedade pretendida em 2002. E pior, a oposição, hoje é feita pela antiga situação, num novo grupo de “fracassomaníacos” à moda FHC. Pobre Lula. As vaias na abertura do PAN deveriam ser passado, mas os jogos acabaram e ele ainda está ressentido. E temos que ouvir, pela segunda vez, sua teoria sobre quem deveria estar “zangado” com seu governo. “Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar aplaudindo, posso garantir que foram os que ganharam muito dinheiro neste país, no meu governo. Aliás, a parte mais pobre é que deveria estar mais zangada, porque ela teve menos do que eles tiveram. É só ver quanto ganham os banqueiros, os empresários, e vamos continuar fazendo política sem discriminação”, disse Lula, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, para explicar as vaias que levou no PAN durante o lançamento do PAC em Cuiabá, dois dias após o fim do evento, dia 31 de julho.

É terrificante ouvir, pela segunda vez, Lula confirmar que seu governo beneficiou a elite, que sempre lucrou com todos os governo. O presidente nem percebe que está atestando a incompetência de seu governo ao não fazer o que defendia. Na frase, ele acaba usando o povo como massa de manobra, como um tipo de “ameaça” propriamente dita contra as tais elites. E a oposição, esse baluarte da resistência, brinda-nos em seu estilo “o diabo veste Daslu”. A atribuição de culpa ao governo no mesmo momento em que ocorreu o acidente da TAM, antes de qualquer investigação, é o mesmo lado do “top, top, top” com o qual respondeu Marco Aurélio Garcia. São duas torcidas, pautadas pela arrogância e vaidade, não são dois projetos de governo que se embatem. A culpa é de todos nós, à medida que vemos no amigo ao lado, um possível inimigo. Ao estacionarmos em fila dupla, numa privatização de um espaço coletivo; ao associar felicidade à obtenção de mais bens materiais. Estamos falhando no projeto de sociedade. Votamos no presidente como quem escolhe um santo protetor, e a quem se recorre em épocas de eleição como quem precisa de um milagre.

Deixamos FHC criar um sistema chamado de “agências reguladoras” só para garantir a “estabilidade dos contratos”, mas que permite a TAM deixar seu avião voar com defeito num reverso e com o tanque na capacidade máxima para pagar menos ICMS por ter abastecido em Porto Alegre, e não em São Paulo. A elite, que tanto quer ser um espelho do lhe é diferente, daquilo que é externo, que preferia a comodidade de um aeroporto de fácil acesso ao centro financeiro do País, sai em protesto gritando “Fora Lula”, mas paradoxalmente é a que ainda se beneficia do caos, da ausência do Estado na saúde, educação, planejamento, mobilização popular e estratégia. E todo um país é parado numa batalha medieval, onde parece ainda ecoar os dogmas que na idade das trevas eram monopólio da igreja e de reis.

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