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Sunday, November 11, 2007

Libertinagem de expressão

A publicidade vem conquistando uma maior "liberdade de expressão" ao conseguir impedir que o governo regulamente a exibição de determinados produtos em certos horários, em certas circunstâncias. As emissoras de tevê também estão vencendo a queda de braço com o governo, que também gostaria de regular a exibição de determinados conteúdos com forte apelo ao sexo, violência, drogas e rock and roll em novelas, seriados e congêneres.

O conceito "liberdade de expressão" está sendo a cada dia esvaziado por aqueles que advogam única e exclusivamente para o mercado. Houve uma época em que a palavra "merda", em algum produto cultural, era um símbolo da luta contra a ditadura, uma ousadia de algum músico ou artista, buscando escrachar o silêncio hipócrita de uma sociedade carcomida pela pelas aparências, pelo moralismo. Mas hoje, falar "merda", pode ajudar simplesmente a se vender mais discos, mais filmes, mais e mais. "Merda" deixou de ser protesto, para se transformar no que ela realmente significa. A única frente de nobre resistência para "merda" está entre os atores que, antes do início do espetáculo, bradam-na para dar sorte.

Mas parece que as palavras, dia a dia, distanciam-se do mundo simbólico no qual foram forjadas para conseguir esconder os verdadeiros interesses daqueles que as pronunciam sorrateiramente, sem ficarem nem mesmo com as faces vermelhas. Uns dizem que a regulamentação da publicidade seria como a volta da censura; outros relembram o efeito nefasto dos censores em peças de teatro, em filmes. Aquelas pessoas sem alma, tão infelizes, riscavam até faixas dos antigos bolachões de vinil. Quem na década de 80 conseguia ouvir a faixa "Silvia, Piranha" do disco do "Camisa de Vênus"?

Mas a desfaçatez com a qual símbolos tão caros à racionalidade da vida em sociedade são usados para perpetuar as extravagâncias do poder, deixa qualquer um de bom senso perplexo. Tome como exemplo a campanha para o fim do registro profissional para o exercício do jornalismo. Mais uma vez o conceito "liberdade de expressão" foi deturpado. Os que defendem o fim do registro, argumentam que ele fere o artigo 5º da Constituição, que garante a liberdade de expressão. Um advogado, um pedreiro, um médico, uma dona de casa têm o direito à expressão, mas não têm registro de jornalista. Logo, não podem escrever. Santa flexibilidade lógica! Até chegaram a escrever que um médico precisa de faculdade, precisa ser fiscalizado pelo conselho de medicina, porque um erro significaria uma vida. E anunciar o prêmio da Mega Sena com números trocados, não seria caso de morte? E deixar de informar corretamente o público sobre políticos, estradas, desastres, buracos na rua, rebeliões em cadeias, valorização da Bovespa, corrupção, eleições, acidentes aéreos...? Uma informação pode ou não significar uma vida? Não o jornalismo não é como um "diagnóstico" da sociedade?

A questão é que o debate deixou de abordar os pontos cardeais: a falência do modelo das universidade de jornalismo; falta completa de consciência de classe entre os próprios jornalistas; e o desejo dos proprietários de veículos de comunicação em deitar pauta abaixo um modelo único do fazer jornalismo e de remuneração salarial. O registro profissional, que foi imposto pela ditadura militar, cria hoje um exército de mão-de-obra de baixíssimo custo, sem experiência e que ainda é treinada em cursos de empresas, os quais muitas vezes questionam se o jovem “foca”, como são chamados os novatos, são filiados a algum partido político. Por outro lado, o registro é uma barreira a muitos que praticam jornalismo sério, que se atualizam, que lêem até mais livros que os jornalistas registrados, que possuem curso superior e muitas vezes até mesmo pós-graduação em jornalismo. Mas por não terem feito a faculdade com habilitação em jornalismo, são impedidos de tirar o MTB.

O que "liberdade de expressão" tem a ver com tudo isso? No livro "Notícia – Um produto à venda", da professora Cremilda Medina, da Universidade de São Paulo, o componente estrutural da reportagem é a “angulação”. Segundo ela, ao relatar uma notícia, o repórter é influenciado pelas esferas pessoal (sua visão de mundo e sua percepção diante daquele fato); grupal (os interesse do grupo empresarial no qual ele trabalha) e de massa (o público ao qual ele dirige essa informação). A forma como o "real" é relatado pelo repórter é a narrativa, em terceira pessoa como ficou consagrada no Brasil pela influência da imprensa "livre" dos Estados Unidos. A narrativa discorre sobre uma seqüência de fatos daquilo que seria mais importante para o menos importante. "No entanto essa aparência de continuidade ao acontecimento é falsa, porque o acontecimento vivido se transforma numa notícia; no caso, uma notícia verbalizada e que imediatamente passa a se submeter às categorias narrativas disponíveis ou em formação", avalia Cremilda. Ou seja, a narrativa é a tradução de um "real narrativo", influenciado pela visão do repórter, pelo grupo no qual trabalha e pela “massa” que ele pretende atingir, associado ao estilo narrativo do jornalismo, que busca transmitir ao leitor um sentido de cronologia e de contiguidade ao fato ocorrido para dar credibilidade à informação. Não deixa de ser um retrato do real, mas apenas um retrato.

Acredito que se esse “retrato” do real estiver influenciado mais por um que pelos outros dois mais fracos itens que formam a “angulação”, a liberdade de expressão, tal como defendem a publicidade e as emissoras de tevê, está comprometida. Liberdade de expressão não significa ausência de filtros, ausência de regras, ausência de escrúpulos. A liberdade pressupõe a possibilidade da expressão de divergências. Quando se impede a divergência, a crítica, a iniciativa, a liberdade cai por terra. E a “angulação” está do lado dos publicitários, que fazem de gato e sapato (como dizia minha avó) a semântica; e, os jornalistas, com ou sem registro, estão perdendo a olhos vistos.

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