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Tuesday, September 13, 2011

Música livre, pero no mucho

Se você apontar o dedo no nariz de alguém, saiba que outros três estarão apontados para o seu. É o que diz um amigo, no tempo certo da comédia. E se há beleza na comédia, por que ela é tão rara em “Paralelas”, o novo disco gravado em parceria entre os saxofonistas Marcelo Coelho, do Brasil, e Rodrigo Dominguez, da Argentina, lançado pelo selo especializado em música de qualidade Tratore?


Há realmente algo de estranho com alguns intelectuais, como já notara Eduardo Galeano. Estuda-se tanto para que se não são capazes de exercer sua liberdade de expressão ou dar sabor ao que fazem? Marcelo Coelho fez mestrado em “Jazz Performance” pela “University of Miami” e tem doutorado em composição pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nada contra estudar, por favor. Isso é sempre bom aqui ou no exterior.


Mas continuando: “Marcelo atualmente desenvolve seu trabalho de criação no departamento de Música da USP, atráves do laboratório de composição e improvisação, tema do seu projeto de pós-doutorado”, explica o release da assessoria, que antes já havia informado que “Marcelo nos apresenta uma obra digna de nota, que pode dar uma contribuição significativa para o desenvolvimento da linguagem musical contemporânea”.


Ele estudou, conheceu o mundo, aprendeu padrões e técnicas ao máximo para conseguir ser livre. É um trabalho hercúleo o dele, tendo em vista o que já fazem muitos músicos dessa dita área “contemporânea” e está longe de conseguir chegar próximo de material digno de nota como um John Coltrane, Ornette Coleman ou, porque não, de Pixinguinha, Cartola, Heitor Villa-Lobos, Armando Lôbo, Beto Sporleder, Rui Barossi e outros músicos que atualmente exercem plenamente a liberdade, ainda tão almejada por Coelho e Domingues, que esperam passivos pela salvação de alguma alma caridosa para conseguir levar a sua música para o mundo. A iniciativa é também livre.


Essa história de “música livre” nos Estados Unidos não se restringia só a mudanças técnicas, no fazer musical, mas na quebra de padrões pré-estabelecidos num reflexo próximo ao da luta pelos direitos civis. E evoluiu até as experiências do compositor John Cage, maluco beleza que defendia o prazer do som pelo som, sem qualquer relação com sensações e que chegou a fazer a famosa obra 4’33’’, uma orquestra inteira em silêncio durante quatro minutos e trinta e três segundos. Mas há um prazer imenso no silêncio ao vivo e como o silêncio joga para dentro da música quem escuta.


Mas o interessante é: isso não virar rótulo. Quando Villa-Lobos subiu ao palco do Municipal na Semana de Arte Moderna de 22 com um pé com pano e outro sem, era mais por questões de saúde que estéticas, apesar de a imagem do maestro com uma perna na tradição e a outra no popular fosse o símbolo de sua arte livre. Mas a “métrica” livre e inovadora só parece existir de fato quando mudanças muito mais amplas ocorrem na música.


Da mesma forma que o jazz nos EUA acabou incorporando os ruídos das máquinas, da cidade, como por exemplo, no som de um trem, como também fez Villa-Lobos, seja na melodia ou no ritmo, ou em ambos, muita gente consegue fazer música hoje a partir de ordenação do ruído randômico e aleatrório de um computador pessoal com todo o vazio existencial das redes difusas de relacionamentos superficiais. É bom dar uma tungadinha no Facebook sempre.


Pode ser que haja música que represente o fim de uma história de amor; ou o começo de uma nova forma de pensar a sociedade; ou pode não ser nada, mas mesmo assim, de alguma forma inexplicável, gera um prazer ao transmitir o "sabor" de um sentido intangível. Por isso, poético, belo, divino e demoníaco em sua extrema humanidade, capaz de dar dimensões de cor, sabor e, principalemte calor. Ou dane-se Cage, apenas o som do roronar dos pneus no asfalto.


Mas em "Paralelas", Coelho e Dominguez são mais vítimas do vazio existencial e das redes de relacionamento que geradores de prazeres e sentidos intangíveis. Das sete músicas, duas são dignas de nota: “Sono”, composição do brasileiro, e “Lechuza”, tema do argentino. Esta tem um pouquinho mais de sabor que "Sono", porque é a única música onde dá para ouvir um sax soprano e um tenor juntos. O disco todo são os dois tenores buscando se completar. Escute. Mas se embrulhar o estômago, procure na sequência ouvir "Remember Pastels", música de Thiago Alves da Reteté Big Band, que está no novo disco do Movimento Elefantes. Parece que dão valor só quando se faz "irrelevâncias comparadas", importante arte multidisciplinar.



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