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Blog para divulgação de artigos e textos jornalísticos que transgridam o conceito do jornalismo online.

Thursday, September 14, 2006

Dois homens, várias missões


Olhando-me por sobre os óculos, presos ao nariz como se fosse um pincenê, ele me disse na fila de um supermercado da Lexington Avenue: “eu descobri qual é a minha missão neste país...” Era 12 de setembro de 2001, eu e Nicolau Centola, estávamos em Nova York já há dois dias para cobrir o lançamento de um nova plataforma de comércio eletrônico de uma pontocom que, mais tarde, abriria um escritório no Brasil, pouco antes da explosão da bolha de prosperidade da Nasdaq. Ele, editor da falecida Internet Business; eu, repórter da também finada revista americana-tupiniquim The Industry Standard. Um dia após os ataques que dizimaram as Torres Gêmeas do World Trade Center, aquela afirmação de Nicolau na fila do supermercado parecia algo enigmático. Afinal, além de toda a áurea de suspende que aqueles dias inspiravam, eu o havia conhecido pela primeira vez no JFK, fumando um cigarro justamente em uma área onde a nicotina era terminantemente proibida. “Minha missão é experimentar Doritos de todos os sabores”, continuou, com um ar de como se houvesse descoberto a razão de sua viagem até o País das Maravilhas. “É sério! Quando estive na Europa com meu amigo Coca, a minha missão foi experimentar todos os sabores de fanta”, argumentou, ao perceber que eu achava aquilo uma brincadeira. Realmente, as histórias que haviam me contado na redação sobre o Nicolau, o mito do jornalista da tecnologia da informação, começavam a fazer sentido.


Mas não era brincadeira. E nem era sua única missão. No dia 10 de setembro, ao chegarmos ao hotel da Lexington às 7h da madrugada daquela segunda-feira, ele me arrastou para o Village com a missão de comprar discos de vinil, uma de suas paixões, uma vez que apenas poderíamos entrar no hotel após às 12h. Olhando o mapa da cidade, sentenciou: “vamos a pé, é fácil chegar lá.” Para um homem que morava na Granja Viana, em São Paulo, pensar que o Village estava próximo de onde estávamos naquele momento, sem dúvida era uma blasfêmia. Andamos como os beduínos no deserto até uma loja que o mito, o homem Nicolau, já havia pesquisado no Brasil antes da viagem. Após longa caminhada, bolhas nos pés, ele ainda ficou na loja apreciando os vinis por quase um hora, que me pareciam intermináveis.


Na volta, caminhando novamente, é claro, para comprovar a propaganda do uísque Johnnie Walker, avistou no topo do céu de concreto as Torres Gêmeas. “Vamos visitar o topo do WTC amanhã, após a coletiva”, explicou o mestre, que após a revista na qual trabalhava naufragar, seria ele o meu próximo editor.


Ao chegarmos no hotel, descobrimos que nossas bagagens haviam sido transladadas para outro hotel, na mesma rua, mas no quarteirão seguinte. Resignados, andamos até lá sem entender muito bem a mudança. Descansamos, para à noite participar de um jantar com os executivos na deslumbrante Grand Central Stantion. No horário marcado, o encontrei no hall de hotel. “Você conseguiu tomar banho?”, pergunto. Realmente, havia tomado banho com dificuldade. Não achava o maldito registro da água. A todo botão que apertava, apenas a banheira se enchia. Mas mexi até conseguir fazer cair do a água do chuveiro. “Putz, eu tomei banho ‘techco’”, gargalhou Cento-lá. Fomos até aquele lugar magnífico em companhia de um jornalista mexicano. Havia outras duas repórteres estrangeiras avessas a qualquer contato: uma japonesa e outra australiana, nada amigáveis. Apostamos que elas eram lésbicas, mas até hoje nada descobrimos!


No jantar, após as apresentações, fiz todas as perguntas imagináveis aos executivos, porque já queria escrever uma nota para o site da revista naquela noite mesmo. Nada, estavam impassíveis. Teríamos que esperar a coletiva no dia seguinte. Porém durante as tentativas de arrancar alguma notícia daquelas almas inflexíveis, fui bebendo cerveja, bebendo... Até que na negativa oficial e categórica do executivo que não falaria nada, que era para aproveitarmos o jantar e descontrairmos, soltei a célebre frase em inglês, até hoje nos anais do New York Book Review: “Ok, then we gonna put the feet on the ‘jaca’”. O Nicolau, que estava ao meu lado, obviamente iniciou uma gargalhada estrondosa, para espanto dos convescotes, que mal poderiam entender o que seria enfiar os pés na jaca, muito menos o que era essa fruta tropical. “You know, today I´ll gonna kill the dog by screaming!” Mata cachorro a grito também não era usual entre os americanos, que têm gírias muuuuuito melhores.


No dia seguinte, 8h30 da manhã, estava como sempre atrasado para uma coletiva. Ao chegar ao salão de eventos do hotel, já com um prato na mão contendo ovos mexidos, fiquei sabendo que “parecia” que um avião havia trombado com uma torre do WTC. A coletiva começou, dando tempo para os executivos anunciarem investimentos no Brasil e as características do seu modelo de negócios, e... outro avião também parecia ter trombada com a mesma torre. A mesma? Esses pilotos não têm brevê? Era um avião pequeno, parece que não bateu na torre, mas passou ao lado e caiu. Os executivos tentaram continuar a coletiva, mas na Lexington o ruído de cirenes, carros buzinando, já eram ensurdecedores. Fomos para frente do hotel e para a TV. As imagens eram inacreditáveis. Na porta do hotel, um grupo de brasileiros que diziam trabalhar em Wall Street reclamavam da vida, do caos. Motoristas de taxis parados ouvindo rádio, atônitos. E ao longe, uma fumaça no alto do céu de concreto. O resto da história todos já sabem...


Alucinados, fomos novamente à moda Johnnie Walker encontrar o WTC, vendo cenas de desespero dos nova-iorquinos, ao telefone falando com familiares. Mas depois de caminhar os mais de 60 quarteirões até o WTC, não conseguimos ver muita coisa. A polícia havia interditado uma área extensa. Meu editor, um dos grandes jornalista de TI sem puxar o saco, Ralf Manzoni, e meus amigos e minha família ficaram perplexos como que viram. “Quando estive lá, a coletiva tinha sido no WTC!”, disse quando eu havia retornado são, mas não salvo, ao Brasil. Ligaram para o hotel onde eu deveria estar, mas a recepcionista afirmara não haver registros de um tal de Roger e Nicolau. Como não havia notícia no jantar da segunda, e como estava exausto, pensei em avisar da mudança de hotel apenas após a coletiva do dia seguinte. O que poderia acontecer de errado até lá?


Os três maços de Free que levara comigo na mala foram completamente insuficientes, porque com os aeroportos fechados, ficamos uma semana sitiados naquela cidade, que me possibilitaria visitar museus, show de jazz, bares... Tudo fechava às 23h e o cigarro naquela cidade custava escandalosos US$ 5. Apesar do caos, o que para um jornalista é um ingrediente a mais de emoção em um lugar mítico como Nova York, eu e Nicolau andamos além do que imaginávamos e passamos por muitas outras experiências fantásticas. Como bons amigos, parceiros na irreverência frente às insanidades nessa nova era de histeria coletiva, nos vestimos de Torres Gêmeas na festa à fantasia de fevereiro de 2002. Nossa missão não são mais os Doritos, nem apenas os vinis, nem “matar cães a grito”. Mas a alegria de, como brasileiros, fazer graça em meio ao caos.





Tuesday, September 12, 2006

Danos colaterais



Roger Marzochi



Foto do aquivo de Nicolau Centola



Quinta avenida, quarta-feira dia 12 de setembro de 2001. Nova York já havia experimentado a fúria do ataque extremista às torres gêmeas do World Trade Center (WTC). O Ground Zero, como foi batizada pelos norte-americanos a área destruída pelo desmoronamento dos gigantescos edifícios, estava já gravada na mente estarrecida do planeta. A fumaça e a poeira, que continuavam ainda sendo carregadas pelo vento, parecia obscurecer toda a cidade. Diferentemente da fúria que muitos norte-americanos vinham demonstrando, o saxofonista Jessi Smith foi para a quinta avenida praticamente vazia, acreditando que com a música pudesse de alguma forma atenuar a tristeza e o medo. Em arranjos belíssimos de blues, seu o som ecoou por entre os edifícios, até o coração de Mannhattan. "Não é possível acreditar no que aconteceu. A política internacional dos Estados Unidos provocou isso. Mas é preciso de alguma forma dar conforto às pessoas, talvez com música", disse Smith, que à época conseguia 50 dólares por dia tocando nas ruas da cidade.


Conforto e segurança foram tudo o que os Estados Unidos perderam após esse ataque. Os mais de 3 mil mortos injustamente por Osama Bin Laden tiraram dos americanos o sentimento de invencibilidade. "Nós não somos, nem nunca fomos imbatíveis, super heróis, imortais. O mundo precisa entender que também precisamos de ajuda e compreensão", disse Mary Monahan, atriz da Pensylvania, que reconhecia que a ação era uma resposta aos atos cometidos pelos Estados Unidos durante anos, mas que não podia acreditar na morte de inocentes.


Na quinta-feira, dia 13, ameaças de bomba nos prédios do JP Morgan e Chase, próximos à avenida Park, colocaram a cidade em pânico. Polícia e bombeiros rondavam a cidade como que perdidos entre tantos alarmes falsos. As pessoas corriam da área onde havia a ameaça, lotando calçadas e fechando parcialmente as ruas, caos completo e desespero. "A cidade nunca vai ser a mesma. Dizer que voltamos ao trabalho normal não é possível. Nada estará na normalidade", lamentou Diana Ramona, funcionária do banco Chase que havia se retirado do prédio junto com outros colegas de trabalho após a ameaça de bomba. No Central Park um avião cortou os céus durante o período em que os aeroportos haviam sido fechados. Atônitos os nova-iorquinos olhavam para o alto, continuando a caminhada após perceber que era um avião da Foça Aérea Americana.


Não há como negar que esse foi um ataque covarde, igual a outros também lançados pelos Estados Unidos. O Al-Qaeda conseguiu matar pessoas de 82 nacionalidades nas torres gêmeas. No momento do choque do primeiro avião com a primeira torre do WTC, a maioria das pessoas que lá estavam era composta de gente simples. Lavadores de janela, faxineiros, cozinheiros, garçons, secretárias. Norte-americanos, indianos, brasileiros, árabes, mexicanos e outros tantos já naturalizados. "A nata da sociedade nova-iorquina vai trabalhar depois das 8h. O nosso país fez coisas certas na história e também cometeu muitos erros. Mas pessoas simples não podem pagar pelos erros de um governo. Foi um crime", completa Mary. Um executivo do Texas, que tomava café na manhã do dia 12, há 60 quarteirões dos escombros do WTC, vendo passar uma garota com máscara de proteção contra a poeira, disparou críticas ao presidente Bush, por indiretamente ser o responsável pelo ataque. “Foi um crime bárbaro... mas infelizmente Bush provocou isso.”


Na avenida Lexington, no prédio da polícia de Nova York, onde foi montado um dos centros de coordenação do resgate de sobreviventes, emergiu um tipo de cemitério sem corpos. Por todas as paredes, cabines telefônicas, muros, espalhavam-se cartazes com o rosto das vítimas, no desespero das famílias e amigos que mantinham a fé de reencontrar os desaparecidos. Velas, tristeza e compaixão. Algumas fotos, já molhadas pela chuva que caíra na sexta-feira 14, mostravam pessoas sem rosto, cores misturadas, a própria caricatura da mutilação.


Os ataques trouxeram para o centro da civilização ocidental a noção dos “danos colaterais” de uma guerra, do modo jamais experimentado pela maior potência militar do planeta. Que os americanos e os povos de 82 nacionalidades, cujos conterrâneos perderam a vida nos ataques, transformem sua revolta em ação pelo voto e pelo protesto. A dimensão da tragédia pessoal nunca pode ser esquecida nem com os ataques aos Estados Unidos, nem com a invasão criminosa do Iraque, da tragédia cotidiana dos palestinos e libaneses.