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Tuesday, December 09, 2008

Ser útil ou ser mais que útil?

Roger Marzochi

A maioria de nós passa a maior parte do tempo buscando ser útil. Queremos mostrar que existimos. E o existir muda de significado à medida que mudamos de fases. Para existir como filho é preciso se sentir reconhecido pela família, sendo bom na escola, com os amigos e com os membros da família. O contrário se dá pelo mesmo motivo, afinal a negação não existiria sem um motivo a ser contestado.

No trabalho queremos também existir e, para isso, é preciso não faltar e até se sentir culpado caso se ausente por causa de alguma doença. É chegar sempre na hora certa e fazer hora extra. Existir na empresa significa “funcionar”. E, para funcionar, é preciso ser igual a uma máquina, cujos problemas são encarados como mal funcionamento, como uma peça, que pode ser trocada para funcionar melhor e mais barato.

Ser útil é sinônimo de adequação a um estilo de produção e à velocidade inerente a esse serviço. Quantas operações por minuto faziam os paquidérmicos computadores à válvula, que preenchiam salas imensas? Hoje, qualquer chaveiro, desses “pen drive”, carrega uma quantidade absurda de informação e, colocado a qualquer computador, dá acesso a uma série de dados que eram impossíveis de serem armazenados e processados antigamente.

Parece haver alguma semelhança com o que ocorre no mercado de trabalho. Antes, uma fábrica tinha um maior número de funcionários, cada um fazendo um determinado serviço. Com o avanço da tecnologia nos meios de produção, funções foram extintas ou acumuladas pelos trabalhadores que restaram. A máquina homem, como na passagem da memória do computador à válvula para o pen drive, também vem reduzindo de volume e processando mais informação. E não adianta argumentar que o setor de serviços tem absorvido essa mão-de-obra, a menos que se considere camelôs e cambistas membros desse setor-salva-vidas do empreendedorismo brasiguaio.

E como em tempo de globalização, de "fusões e aquisições", e de sindicatos vazios de propósitos, mas com os "borná" cheios de dinheiro, a única saída para quem fica é buscar ser, mas do que nunca, mais que útil. Nada de conceitos de administração de empresas, de palestras motivacionais com o Amyr Klink, Alan Greespan ou de gurus do "marketing viral" de uma empresa cujo símbolo é o Herb Way Of Life. Nada de mergulhar cada vez mais na idéia de utilidade.

Ser mais que útil é o único foco de resistência que restou, transcendendo o que se considera útil. Para ser mais que útil é preciso reconhecer que os problemas que emperram as engrenagens não devem ser apenas consertados para manter a máquina em ordem. É preciso saber que o problema é o que nos constitui, o que não significa se acomodar e aceitar, mas encará-lo para que não tenha que viver repetindo-o indefinidamente.

Por todas as nossas fases surgiram possíveis “defeitos” nas engrenagens culturais. A nossa reação a eles, no sentido meramente “mecânico”, de saltá-lo sem defrontar a sua dor ou a sua felicidade por causa do medo é o que define o “ser útil” do “ser mais que útil”. Ser mais que útil é ser belo, e a beleza é essa sensação da poesia de nossas contrariedades, de se surpreender com a expressão do acaso, de entender que você não precisa viver trocando “problemas”, mas buscando a beleza que há no problema da vida.

É, especialmente, ler poesia. Até porque a poesia transgride. É estudar música, até porque a beleza está na escolha de notas soantes e dissonantes. Buscar poesia, psicologia, acupuntura, massoterapia, teatro, literatura, música, jogo de búzios e cartomante apenas para ser útil é um imenso desperdício. É como o massagista em dia de jogo, que tem que fazer o jogador voltar a campo para vencer. Aquilo que é belo não se ganha, não se vence. Ele se expressa ao ponto da sua compreensão. Para quem quer apenas vencer, ser útil basta. Aliás, para alguns, já é muito. Como chegar no horário com esse trânsito infernal? Como produzir mais com menos e mais rápido, com “problemas” zero? Mas quem quer ser mais do que útil sabe que, em alguns momentos, perder é ganhar.