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Blog para divulgação de artigos e textos jornalísticos que transgridam o conceito do jornalismo online.

Thursday, June 11, 2009

Quando a sonda fura o relicário



A Petrobras se excedeu e está sendo castigada pela interferência dos santos. Mas se todo pecado gera um perdão, a correção do caminho se pode dar até pelo o que é, por enquanto, reconhecido como o “mal”. Ao criar o blog "Fatos e Dados", a companhia argumenta que estaria contribuindo com a democracia, por avaliar que a divulgação das respostas dos questionamentos da imprensa no blog, antes mesmo de serem publicadas em forma de matéria pelos veículos de comunicação, seria um exemplo de transparência e não estaria ferindo o sigilo da fonte. Após a pressão, a empresa decidiu publicar as perguntas e respostas da imprensa à meia noite do dia em que a matéria está programada para ser veiculada, o que não chega a ser um sinal que a companhia recuou totalmente na sua queda de braço com a imprensa. Apesar de controverso, tudo indica que a atitude tem respaldo legal, e poderia ainda argumentar que, apesar do princípio da inviolabilidade das comunicações, uma pessoa pode até gravar uma conversa sem que seu interlocutor saiba. O ilegal ocorre quando a conversa é gravada por uma terceira pessoa, sem autorização da Justiça.

A tendência de serem as companhias, cada vez mais, seus próprios veículos de comunicação e de os blogs serem veículos de uma mídia alternativa ascendente, não justifica o fato de a Petrobras "furar" seus concorrentes da antiga banca. Primeiro porque a democracia pressupõe a igualdade de oportunidades e, levando às devidas proporções, o número de assessores de imprensa deveria crescer exponencialmente para atender à demanda dessa nova era da comunicação.

Porque veículos de comunicação seriam mais importantes que qualquer outra pessoa física? Não ficou claro ainda se, por exemplo, o padre Constantino, lá da igreja de Santo Antônio, em Americana, pode enviar para a assessoria de imprensa da Petrobras uma lista com 7 perguntas sobre os pecados capitais do petróleo no Brasil. Por que não poderia? Ele pode usar as respostas para escrever um artigo nos jornais da cidade, um texto para um blog ou mesmo imprimir nos panfletos da próxima Campanha da Fraternidade.

Segundo porque o argumento de dar mais transparência contrasta completamente com uma companhia que, por motivos estratégicos, mantinha até 2007 uma a conta-petróleo, no qual o Tesouro arcava com as subvenções no preço dos combustíveis. Mesmo com o fim da conta, a estatal é ainda considerada uma “caixa-preta” até mesmo para os integrantes do governo e o preço dos combustíveis continua alheio aos movimentos da commodity no mercado internacional. Além disso, se a Petrobras é "nossa", porque não informar quanto gastou para contratar uma assessoria de comunicação?

A decisão, portanto, está longe de contribuir, por si só, com a democracia. A ideia foi fisgada por um profissional que gerencia crises de imagem no sentido de nivelar a comunicação e mesmo intimidar em decorrência da alta temperatura eleitoral de ambos os lados, oposição e situação. A questão básica é que a decisão gerou mais crise e acirrou a pressão por investigação, colocando mais combustível no debate. Mas, mesmo partindo de uma ação com objetivos muito questionáveis, a decisão é um marco para a comunicação no Brasil.

A mídia tradicional já está em processo de deixar o foco excessivo no furo factual para sobreviver à internet, e o blog da Petrobras pode acelerar esse processo ao incentivar que outras empresas tenham atitudes parecidas. Mas, com o tempo, ficará provado que a simples divulgação de questões e respostas deste ou daquele profissional, por si só, deixará de ser importante. O que conta é aquilo que o repórter já obteve sem a ajuda da companhia. Qualquer outro repórter que não souber contrapor os dados, e os fatos, terá uma ação razoavelmente limitada se tentar usar o blog da companhia como fonte. Até o conceito de questionar, em toda matéria, "o outro lado", pode ganhar nova forma com a web. O repórter pode escrever um texto sobre a companhia e avisar: "'clique aqui' para ler em instantes a resposta da Petrobras às acusações."

Por isso, a madeira do relicário da comunicação foi furada pela sonda da Petrobras, e está gotejando a cera das velas acesas até agora a Santo Isidoro, o eleito padroeiro da internet, sob a cabeça de São Francisco de Sales, o Chico Sales (padroeiro dos comunicadores), que não deixará isso ocorrer indefinidamente. Não é porque Isidoro escreveu a primeira enciclopédia do mundo que a web pode ser considerada apenas como uma imensa wikipédia, um compêndio de "fatos" e "dados". Ela é, também, o canal de expressão daqueles orientados pelo Chico. Em uma filipeta, presente que levo há 12 anos na carteira, a imagem do patrono dos escritores e jornalistas vem acompanhada da seguinte frase: "O jornal é um instrumento indiferente para o bem e para o mal; lutemos, pois, para que ele siga o bom caminho." A palavra jornal pode ser substituída por rádio, TV, internet, ebook, iPod, Orkut, Facebook, computador e celular. E quem decidirá para que santo rezar será o leitor e internauta.