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Tuesday, September 08, 2009

A linha de pescar que trouxe à tona uma babá-cantora

Roger Marzochi

A primeira vez em que tentou tocar um instrumento, entusiasmada pelos cantos que afloravam pelo Nordeste, o resultado não foi lá um sucesso. Seu vizinho improvisou um violão com o que tinha: uma lata grande de goiabada cortada ao meio para amplificar o som das vibrações de linhas de anzóis, buscando pescar a melodia que fosse possível ao seu dedilhar ao longo do braço de mandacaru. Esperou ele sair para a roça, em Ipueiras, no Ceará, e correu para a casa dele. Pegou o tal instrumento, colocou-o nos braços, e num escorregar de dedos, quebrou uma das linhas de pesca, como um peixe bravo. A caixa de ressonância lhe veio à cabeça literalmente quando, irritado, o vizinho descobriu a ousadia. "É, e o sangue escorreu, viu", relembra Maria Lindalva Bezerra, 39 anos, a Lindinha Poeta, que já foi copeira, faxineira e, agora, é babá e cantora há um ano.

A ferida cicatrizou, mas ela manteve firme a idéia de fazer música, não importa o que fizesse para sobreviver. E hoje, além de a música que criou ter ajudado a conquistar o emprego de babá, seu som ganha espaço nas pequenas rádios de sua terra natal, onde também realizará 12 shows em setembro, agora em suas férias. "Vou cantar em bar, em boate e até em casa da luz vermelha”, brinca a babá, enquanto cuida de um menino em uma praça na Vila Madalena, em São Paulo.

“Mas eu faço (música) pelo amor à cultura e por hobby. Eu acho que todos nós temos que pensar positivo também. Eu tenho sim um sonho, de um dia ganhar algum dinheiro. Meu sonho é no povoado onde eu nasci, onde eu não pude ter o que tenho hoje, e fazer um pequeno estúdio para dar aula para as crianças, passar o que eu aprendi. É esse o meu sonho", afirma a cearense, que desde 1986 está morando em São Paulo, onde criou seus quatro filhos e decidiu apostar em seus versos.

Com 16 anos, fazendo faxina em empresas à noite, conheceu o marido, com quem teve duas filhas e dois filhos. Quando a primeira completou dez anos, Lindinha a preparou para cuidar dos irmãos à noite para que pudesse completar o ensino médio em uma escola cujo nome prenunciava o seu destino: Escola Estadual Maestro Fabiano Lozano, em homenagem ao músico e instrumentista, morto em 65, considerado um grande pedagogo vocal do Brasil.

Nas aulas de literatura e de teatro, Lindinha criou coragem para escrever o primeiro poema, chamado "Umbigo e flor". "Tem o rei / tem a rainha / tem o sol e tem a lua / Tem um zangão / tem uma abelinha / um canário e a colerinha / Eu sou o umbigo / Você é uma linda flor / Eu sou o carinho / Você é o amor / Eu sou o jardim, e você, o beija-flor", cantarola. "Eu canto sertanejo e baião. Mas com as letras dá para fazer até um funk. Mas não quero fazer isso com elas não", brinca ela, que já tem 26 músicas.

A segunda foi inspirada na música "Paratodos", de Chico Buarque. "Li um trecho dessa música num livro de português e desafiei a professora. Disse que faria uma música melhor, em 30 minutos", sorri Lindinha, levando a imaginação para a letra de "Meu avô é francês".

Segunda ela, o gosto pela leitura, que a fez devorar livros do Jorge Amado, Clarice Lispector, Adélia Prado e Augusto dos Anjos também a ajudou nas letras. E, principalmente, uma disciplina em especial: teatro. "A Patrícia Teixeira, professora de teatro da escola, também me ajudou muito com seminários, trabalhando teatro e música. Foi muito bom e fui gostando daquilo e, agora, estou doente por música. Eu não vivo sem cantar, tentar passar o que tem de melhor para as pessoas. Ter mais paz."

Os estudos continuaram depois da escola, agora com a cantora Cris Mursa, que a ajuda a fazer arranjos. "Cris Mursa é minha professora de música, de violão e até de ginástica. E é minha terapeuta! Como não tenho muito tempo, e ela é muito profissional, faço tudo com ela."

Suas cantorias na copa de uma representação de uma empresa estrangeira no Itaim atraíram a simpatia da diretora, que lhe convidou para ser babá de seu filho, que também adora música. Como a patroa viaja constantemente e o pequeno fica na casa dos avós, Lindinha tem um tempo sempre para visitar a mãe, que mora agora em Crateús, e aproveita para apresentar suas músicas e buscar apoio das rádios locais.

Sua música já circulou na região pela na rádio Santa Fé, de Cratéus, Rádios Macambira e Rádio Vox, de Ipueiras. "Já foi até um dinheirinho prá minha mãe por causa disso.” Mas e o sucesso? A fama? Ela afirma que não quer isso não. Mas na letra de uma de suas últimas músicas, que foi inspirada após ter conseguido a façanha de capturar vivo com as próprias mãos um sabiá e mostrá-lo à criança que cuida, Lindinha transparece o dilema que há entre o sonho e a realidade. "Eta vida bem difícil / É essa vida de babá / Ela tem uma decisão / Que ela vai ter que tomar / Entre a alegria de uma criança / E a liberdade de um sabiá."

Assim, vai levando a vida, estudando mais para tocar violão e cantar melhor, e colocando aos poucos seus trabalhos no Youtube, como no caso das músicas "Vaqueiro Valente" (http://www.youtube.com/watch?v=0InoERtMGlM) e “Sonhei Com Você”(http://www.youtube.com/watch?v=_kc3zr4UkXw&feature=related).