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Blog para divulgação de artigos e textos jornalísticos que transgridam o conceito do jornalismo online.

Tuesday, January 09, 2007

Através do "pijama" de Voltaire

“Um grande homem nunca é grande em pijama.” Foi com essa frase de Voltaire que o jornalista Roberto Pimentel se referiu ao fato de a mulher de Monteiro Lobato, dona Purezinha, não ter a completa noção da genialidade do homem com quem vivera por tanto tempo, cujos livros já eram traduzidos no exterior e encantavam adultos e crianças. Ao entrevistá-la em seu apartamento em São Paulo, Maria Pureza da Natividade Monteiro Lobato trouxera na sala jornais baianos que haviam publicado cordéis de trovadores em homenagem ao escritor paulista. “Veja meu filho, até no interior da Bahia ele é conhecido”, dissera ao repórter Pimentel, que à época trabalhava no suplemento de cultura que criara na Folha de Goiás. “Quer dizer, eu aí escrevi, que aquela senhora, que tinha sido professora, convivera com o genial Lobato a vida inteira, não tinha a mínima noção da glória dele, nem da repercussão dele até no ‘interior da Bahia’. Quer dizer, para os íntimos, não existe um grande homem, o íntimo é o vovô, o titio que anda pela casa, tem a mesma necessidade que os outros. Ele vivera ao lado dela em pijama”, recorda Pimentel, que também é psicólogo, professor e, claro, poeta.


Ele, que completará 81 anos no dia 3 de fevereiro de 2007, é mais jovem que eu, que celebrarei 33 anos de vida no dia 1 de fevereiro. Caminhando pela Vila Madalena, bairro onde o conheci há 3 anos, passos curtos, sempre com uma poesia na mão, uma carta no bolso, um sorriso e uma vontade de viver que extrapolam os conceitos de "velho" e "moço". Pode até parecer que, ao andar alheio aos que passam pelo bairro, pareça apenas um homem em seu "pijama", em sua pública intimidade. Seu conhecimento, seu espírito jovem, sua alegria e poesia só se revelam aos que deixam de lado o homem comum, com suas necessidades básicas, seus medos, e aceitam mergulhar nas memórias de um grande jornalista, que como gosta de dizer, "passou pelo tempo", presenciando a transformação da cultura, do jornalismo e do amor. Foi para revelar essa sua genialidade, essa sua incrível leveza em passar pelos dias com lucidez, transbordando ternura para com os jovens, crianças e, especialmente, com as moças mais novas, que resolvi gravar uma entrevista com ele a 3 dias do Natal, em dezembro de 2006.


Para eternizar as boas histórias que ele já me contara, além de outras que acabou revelando, fomos para uma padaria novíssima do bairro. E não é que, até lá, o homem pôde ser visto ainda mais para além do "pijama" de Voltaire, já conhecendo uma das donas do novo estabelecimento! A entrevista a seguir é uma viagem no tempo, com lembranças do jornalismo que ele começou a fazer em Niterói no "O Estado", da experiência ao ver ao vivo e em cores um gracejo corajoso do grande Barão de Itararé diante de um Getúlio Vargas ditador no Rio de Janeiro, da poesia escrita ao seu grande amor e de sua receita para a existência de um relacionamento amoroso. Com vocês, o imortal Roberto Pimentel:




Conte-me, tudo! Onde nasceu, onde estudou?


Nasci em Niterói, no dia 3 de fevereiro, 1926. Naquele tempo, Niterói era capital do Estado do Rio. Depois, Niterói perdeu esse status. E o Rio de Janeiro atual, a cidade do Rio de Janeiro, era Distrito Federal, era o que Brasília é hoje. Éramos cinco irmãos, dois já morreram. Eu era o mais velho. Fiz o curso primário num grande colégio das irmãs Halfeld. Eram aparentadas com quem criou uma cidade em Minas. Arina, Corina e Marina. Naquela época, tínhamos curso de francês nas duas últimas séries do primeiro grau, que tinha quatro anos. A base que estudei a língua portuguesa foi de lá. Naquele tempo, tinha uma mania danada de análise lógica, que se achava que era tudo na gramática, quando hoje se sabe que não é. Hoje pesa mais pelo lado do saber escrever, mas não como os clássicos portugueses, mas saber escrever dentro de um jeito brasileiro, coisa que a Semana de Arte Moderna colocou no Brasil. Antes disso a linguagem que usávamos era a linguagem de Portugal. Tínhamos até um modo brasileiro de falar, mas havia a língua do povo e a língua culta, literária, que ainda há, mas menor, porque os escritores se aproximam do modo popular hoje.



Qual foi a influência do seu pai na sua carreira?


Não houve, porque minha a carreira divergiu completamente da dele, que era matemática, engenharia, e eu entrei no campo das ciência sociais. Ele não me influenciou, mas pedia para que eu estudasse. Ele nunca disse nadinha, só quis que eu estudasse. E eu estudei. Durante o ginásio tive professores particulares de francês e inglês. Que o francês era a língua diplomática, língua universal, o inglês veio muito depois com a prevalência do americano após a Segunda Guerra Mundial, que o americano passou a dominar o comércio.



O que o levou ao jornalismo?


O que me levou ao jornalismo foi um negócio até muito engraçado. Eu era estudante de Ciências Sociais, ainda morava em Niterói, e um dia tinha lá um jornal que era o maior, que era “O Estado”, que pertencia à organização “A Noite”. A organização tinha vários jornais, como o “Estado do Rio”, “A Noite do Rio”, etc. Era do governo. E um dia levando uma matéria da faculdade para publicar no “O Estado”, do curso de Ciências Sociais, falei lá com o secretário, que se chamava Castro Alves, um grande sujeito. Como eu publicava poemas, essas coisas de jovem, de rapaz, ele me disse: “Você não quer ajudar a gente aqui na redação sendo revisor?”


O revisor naquela época não precisava ter curso nenhum, era a “estudantada” que fazia e ganhava uns “cobrinhos”, porque o jornal na realidade não tinha ordenado, pagava lá no fim de semana qualquer coisa. Então, comecei a ajudar no jornal e fazer a revisão. Isso foi entre 1946 e 1948, não me lembro bem. E na revisão comecei a mudar algumas coisas do texto que não estavam bem claras. Aí o Castro Alves me perguntou: “Você se daria bem aqui na redação?” Eu aí brinquei com ele: “Me dar bem eu me daria, mas não sei se vocês vão se dar bem comigo na redação.”


E ele então disse: “a partir de amanhã, você vai ficar conosco na redação.” Naquela época não era assim com hoje, não tinha nada de tecnologia. O repórter sai pela rua, ia lá ver o dados, e ficava por isso mesmo.



Você começou cobrindo qual área?


Eu comecei cobrindo polícia, como acontece quase sempre quando se inicia na profissão. Depois me mudaram para parte política, e fui fazer as sessões da Câmara Municipal de Niterói, que era à noite. E aí encontrei lá um camarada de grande prestígio, que tinha sido deputado federal em várias legislaturas pelo Rio, que já estava velho e decadente e acabou sendo vereador. Chamava-se Nourival de Freitas. Ele fez um trabalho de geografia, um trabalho para o governo, ligado a um problema qualquer de geografia brasileira, que depois a turma viu que não valia nada e meteram o pau naquilo, inclusive está até documentado em livro de um grande historiador.



Como foi presenciar Getúlio Vargas e o Barão de Itararé, no mesmo local?


Ah, foi numa sessão da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), dirigido pelo então presidente Herbert Moses. Não estava no “O Estado”. Nessa época, estava no “Correio da Manhã”, do Paulo Bittencourt. Foi um aniversário decimal da ABI, que o Moses, que era presidente, um judeu muito ágil e inteligente, ele decidiu fazer na sede da ABI um ambulatório grande, com médicos e esse negócio todo. E nesse aniversário ele convidou o Getúlio, e também um conterrâneo do Getúlio, um sujeito chamado Apparício Torelly, mais conhecido como o Barão de Itararé, que foi um dos melhores humoristas brasileiros. Ele tinha um jornal chamado “A Manha”, que era uma caçoada com o jornal “A Manhã”. E o Barão era um homem cheio de graça; Ele tinha um Almanaque Anual que ele chamava de “Almanhaque”.


E aí o Barão, conterrâneo do Getúlio foi lá. E na véspera tinha sido preso um jornalista por ter criticado o governo. E o Herbert Moses, com muita habilidade no discurso de saudação ao Getúlio, e de inauguração do ambulatório, pediu que o presidente visse o caso do colega detido, e, se pudesse, assim e assado, libertá-lo. E o Barão pediu a palavra. “Peço a palavra!” E o Moses fingia que não ouvia , porque sabia que ele era um gozador, pensou que, diante do Getúlio, o Barão faria alguma gozação. E o Barão ficou lá de pé, pedindo a palavra. Até que o presidente da ABI cedeu. “Excelentíssimo doutor Getúlio Vargas”, disse o Barão - Eles eram conterrâneos, e se encontravam muito na rua da praia. E também no Rio Grande do Sul, quando o Getúlio foi “presidente da província do Rio Grande do Sul”, como era chamado o cargo de governador. E o Getúlio também se encontrava muito com ele na Livraria do Globo, que era a melhor editora da época, com grandes traduções e grandes escritores, como o Érico Veríssimo. O Érico disse, numa publicação que tenho até hoje, que foi o próprio Getúlio que deu a idéia de a livraria publicar uma revista cultural que se chamou Revista de Cultura do Globo. Eles (Getúlio e o Barão) eram conhecidos, amigos até, etc. -


E aí o Barão pede a palavra e diz: "Excelentíssimo doutor Getúlio Vargas, muito digno presidente da República, ao contrário do colega , presidente desta casa, que pede a vossa excelência a liberdade do colega preso há três ou quatro dias, eu peço, excelência, que dê liberdade a todos nós!"


Que naquela época o jornalismo estava fechado pela ditadura, os jornais não podiam publicar muita coisa. E foi aquela gozação. Mas o Getúlio ao sair, cochichou algo no ouvido do Filinto Müller, que era o chefe de polícia do Rio. Todo mundo pensou que o Barão seria detido, como já tinha sido várias vezes. Mas ele ficou na calçada batendo papo com o pessoal. O Getúlio saiu, o Moses saiu, a polícia saiu... E ele ficou na calçada com o pessoal. O cochicho talvez foi no sentido de dizer para deixar o Barão em paz aquele dia, até porque ele já havia sido preso diversas vezes. Não escrevi nada nesse dia, fui lá só ver no que dava.



Qual matéria você mais achou interessante escrever?


Eu escrevi muita coisa, uma delas muita engraçada, foi há 10 anos da morte do Lobato, ou 20, não me lembro mais. Eu vim fazer uma entrevista com a dona Purezinha, a mulher do Lobato. O nome dela era Maria Pureza da Natividade Monteiro Lobato, e morava num apartamento muito bom na Duque de Caxias e vim aqui fazer entrevista com ela. Na época, eu estava num jornal de Goiânia, onde morei uns 8 anos. E ela me contando coisas do Lobato, como gostava disso, daquilo, dos pratos que gostava, das conversas que ele tinha com as crianças. E ela me contou uma coisa interessante. Tinha sido realizada na Bahia uma competição de trovadores sobre a obra do Lobato. E o governo tinha publicado vários cordéis sobre ele. E aí ela disse que agora, essa competição de cantadores, o governo mandou publicar esses cordéis todos. E aí veio com um pacote enorme. "Veja meu filho, até no interior da Bahia ele é conhecido" (risos).


Quer dizer, eu aí escrevi, que aquela senhora que tinha sido professora, convivera com o genial Lobato a vida inteira, não tinha a mínima noção da glória dele, nem da repercussão dele até no “interior da Bahia”. E me lembrei do Voltaire, que dizia: “um grande homem nunca é grande em pijama”. Quer dizer, para os íntimos, não existe um grande homem, o íntimo é o vovô, o titio que anda pela casa, tem a mesma necessidade que os outros. Ele vivera ao lado dela em pijama, ela não sabia que até no interior da Bahia ele era conhecido, e era traduzido em outros países, obras no Brasil inteiro. Esse texto eu escrevi para um jornal de goiana, onde morei algum tempo.


Outra coisa engraçada. Ela me mostrou várias cartas de crianças, que ele recebia dezenas. Numa delas um garoto tinha escrito uma história em folha de papel almaço, que tinha escrito cinco livros. Para esse garoto, cada folha era um livro. E mandou uma cópia para o Lobato. E que uma cópia ele mandou para o Lobato para saber a opinião dele, para saber como escrevia para criança e como se ganhava dinheiro vendendo livro. Um “livro”, ele dizia que a mãe havia comprado por 2 mil réis. Naquela época, era muito dinheiro. O segundo ficara com ele. O terceiro, enviara ao Lobato; a quarta, com a avó; e pediu para o Lobato consertar o texto, se tivesse erros, e pedia para saber, para que o Lobato o ensinasse a escrever história, porque ele queria ganhar dinheiro vendendo livro.


Mas ele dizia o seguinte: que o Lobato. Ah,sim...perguntava ao Lobato como ele fazia para ganhar dinheiro com livro. Porque só um foi comprado. E o Lobato escreveu em uma cartinha, como se escrevia para criança, e dizia que o garoto estava começando com muito mais sorte que ele: "porque o meu primeiro livro ninguém comprou", escrevera Lobato.



Você não tentou falar com esse garoto na época?


Ah, isso faz muito tempo, o Lobato morreu em 48... o garoto já deve ter morrido também.



Conte-me aquela história, que adoro também, sobre o almoço que você ganhou do Rubem Braga.


Foi numa churrascaria. Foi no "Correio da Manhã", no Rio. Nós almoçávamos lá, que ficava em frente ao jornal . E no sábado, toda redação ia para essa churrascaria. E num desses dias, Rubem Braga lançou um desafio: “Estamos numa churrascaria. Aqui tem espeto, que é aço. Tem a fumaça da churrascaria, e assar, o verbo assar, assar a carne. Então quem fizer um poema com aço e assa ganha o almoço.” Quem quis tentar, tentou; tem gente que não tentou; eu tentei e fiz isso aqui e ganhei o almoço:



“Essa fumaça do que não passa
Fica no espaço e no cansaço
Fica na taça,
no corpo laço,
no meu abraço
Fica no traço do que perpasso
Nessa vida baça,
Esta fumaça”



Aí ganhei o almoço né! E depois, esse poema foi publicado. Mas não em livro. Trabalhei no Correio da Manhã foi... eu não me lembro bem em datas, mas na época acho que ainda era estudante. Foi entre as décadas de 40 e 50. Mas há muitos episódios interessantes. Eu morava em Niterói, e o Roberto Silveira, que foi governador do Estado do Rio e morreu em desastre de helicóptero, era estudante e eu era muito amigo dele. E ele queria me levar para o partido e acabei não indo. Ele foi um governador de realizações, deixou um "nomão". Ele era uma figura muita interessante. Eu me afastei dele, e ele foi governador do Estado e tal. Um dia eu o encontrei numa solenidade. E ele me abraçou, efusivo, disse para eu aparecer, que queria falar comigo. Ele morreu, e eu não apareci.(risos!) Há várias anedotas históricas com essa personalidade.


Há outra, com um secretário do Estado, com quem eu trabalhei em São Paulo, cujo nome vou dispensar de dizer, porque os filhos dele podem não gostar. Um dia, estava com ele em casa fazendo um trabalho, e ele usou um termo que achei que não era adequado, que era desusado, mas usado assim por um Herculano, mas o valor dele já havia adquirido outra conotação. Ele então disse, “olha tá tarde, vamos deixar isso para amanhã.” E eu concordei: "isso é bom, porque aí eu consulto o ‘Morais’." Que era o famoso dicionário Morais, que era um dos maiores com relação à língua clássica, não tinha ainda o Aurélio. A última edição do Morais fora publicado em 1913. O “Morais”, a primeira edição foi do fim do século XVIII. Aí ele disse: "Que isso rapaz, vai acordar o homem a essa hora da noite!" (gargalhadas...)


O secretário tinha um prestígio danado e disse isso. Era um homem de cultura e esse negócio todo. E eu que convivi mais ou menos com esse pessoal e saí desencantado de muitos deles, não só daqui como do Rio, de Goiás onde vivi muito tempo.


Um dos prefeitos de Goiânia, por exemplo, tinha o hábito no discurso de dizer “minhas senhoras, meus senhores”, como se estivesse em um salão, sabe. E não em um comício, cuja linguagem é outra. É “povo da minha terra”, como fazia o Ademar de Barros, era coisa mais aberta. E ele entrou assim: “Minhas senhoras, meus senhores!” E quando ia começar o discurso, um garoto gritou “e as crianças?”


Aí, como ele era muito inteligente, resolveu aproveitar aquilo e fazer um discurso sobre educação, um discurso para as crianças. “Porque hoje eu vou falar para as crianças”


Outra história legal, é que quando estava em Niterói, um dia liguei para o Carlos Drummond de Andrade, e queria a opinião dele sobre o dia do poeta e aquela coisa e tal. E ele disse, "me liga daqui a dez minutos". Aí veio o Drummond dizendo uma mensagem, falando em poesia lírica, poesia épica e, como todo mundo já falava em conquista de espaço aquela coisa e tal, ele falou em "poesia espacial". Era uma mensagem linda. No dia seguinte, quando abri o jornal, vi que, ao invés de poesia espacial, que era o cerne da coisa, saiu publicado "poesia especial" . Perdeu todo o sentido, perdeu tudo. E um dia ele estava andando na Praia de Copacabana na época e até mudei de lugar na calçada, porque tinha vergonha até de encontrá-lo. E mudei de calçada, com vergonha por ter errado. De vê-lo e ele pensar: esse idiota aí não entendeu a mensagem.


Quando o Drummond fez 80 anos, fiz uma crônica no jornal lá em Goiânia, relatando isso. E aí comentei na crônica do aniversário dele e comentei esse episódio que perdeu toda a beleza, porque estava num contexto. E ele me respondeu com um cartão muito bonito, por minha brilhante e generosa crônica. Depois mandou um outro bilhete muito bonitinho. E quando ele morreu, escrevi outra crônica. Morreu depois de 12 dias da filha, Julieta.


Trabalhei bastante na área de cultura de jornais. Em Goiânia fiquei oito anos e tinha até uma página inteira de cultura. Recebi até o maior prêmio de comunicação de lá, do troféu Tioco. Aliás é errado esse nome, deveria ser Tilicoco, porque é uma boneca feita pela tribo Carajá, na Ilha do Bananal, feita de pano, que a União Brasileira de Escritores estilizou em bronze, e dá a quem se destaca na área de educação. Erroneamente foi chamada de Tioco, mas começou errado, continuou errado e virou tradição. Ganhei vários prêmio. Lá eu trabalhei no jornal Folha de Goiás, o mais antigo de lá. Outra coisa que ganhei foi o título de Papai do Ano, dado pela Maçonaria. Lá teve coisas interessante, sabe.



Como você avalia o jornalismo de hoje e o daquela época?


O jornalismo melhorou, está dinâmico. Mas hoje, assim como naquela época, a quase totalidade de jornais estão na mão de empresários. Mas o interessante é que, naquela época, não era assim bem empresário, o jornal era do "Dr. Bittencourt", de "Dr. Fulano". Era mais usado para fazer política, não eram empresas jornalísticas. Havia em Niterói o Zé de Matos, que tinha um jornal que não me lembro o nome. Era um português muito vivo e ligado à colônia portuguesa de Niterói. Toda semana tinha anúncio de um vendeiro qualquer, um dono de butiquim, de padaria, que pagava a ele em geral uma página, entende (risos), que era o custo do jornal que saia naquela semana. Não me lembro do nome do jornal. Ele era muito inteligente. Eu até fiz entrevistas para ele, e me mandava fazer entrevista com um ou outro português, que ficava todo contente com foto no jornal, etc. Ele pagava a publicação depois.


Havia em Niterói uma associação ou clube de portugueses em que eles faziam almoços, etc, coisa muito bonita. Uma das coisas mais engraçadas, num desses almoços....Bem, não foi nesse clube dos portugueses, foi em outro lugar (disfarça, sorrindo). Lá tinha clube de ingleses também. E houve... Então, o Roberto Silveira era deputado federal e com um nome ilustre, já pintando para ser governador e num almoço, mas não me lembro quem realizou e onde foi.... sabe... Mas as mesas, era o seguinte: Era uma mesa central, da diretoria, e uma série de mesas transversais. E o Silveira chegou e ficou nessas mesas transversais. Todos receberam convites especiais, ou seja, não havia nenhum penetra lá. Nem havia desconhecidos. Sei que, de repente, o presidente da entidade se levanta e diz: ilustre sr. deputado Roberto Silveira, saia da massa anônima e venha cá para o nosso meio (risos!). Alí não havia massa anônima! Todos estavam convidados. E aí o Roberto Silveira se levantou, talvez muito constrangido , foi sentar lá.



Pode falar Pimental, era em uma associação de portugueses?


Ah, não sei. Não me lembro bem (risos!)



E sobre o amor, a paixão, com foi isso em sua vida?


Morei com uma moça, no Rio. Uma advogada, que morreu de câncer generalizado. Faz muito tempo. Eu fui para Goiânia por causa da morte dela, para esquecer o Rio. Ela era muito inteligente... E quando ela morreu, eu escrevi um poema:



Antes de dizer um poema, chega à padaria duas moças com duas crianças, tomando sorvete. Imediatamente, uma das crianças brinca com Pimentel. E ele, vendo que estavam tomando sorvete, brinca com as crianças. "Tomando sorvete! A esta hora?" Era por volta das 13h. As crianças sorriem. Ele volta, olha para mim, e diz o poema.




"Tudo quanto se foi permaneceu em mim
Sou mais passado que presente
Sinto agora que o meu é menos meu
E que tudo que me foge, de repente
Das ilusões às cores que viveram
Vão comigo também na inquietação
Os dias que se foram
O coração é que perdeu
Os sonhos que morreram
Nele resta uma cor tão imprecisa,
Sombras de tantas dúvidas dispersas
A existência que foi vivida indecisa
Nesta noite das vidas submersas"


Muda de assunto, no mesmo momento.


Outro dia eu li um trabalho, desse que escreveu muito tempo, o Tinhorão, que por sinal eu conheço e o encontrei na Biblioteca Municipal. As pessoas falam sobre as músicas indecentes de hoje, mas ele comenta sobre as da década de 20, que são mais indecentes que as de hoje. Por exemplo, uma que ele fala é aquela que diz: “no cume daquela serra eu plantei uma roseira, tanto mais as rosas crescem quanto mais o cume cheira.” Isso foi letra de música da década de 20!


Outra é assim: “Na minha casa não se racha lenha, na sua racha, na rua racha. Na tua casa não se pica fumo, na minha pica, na minha pica.” Aí a turma fala que as músicas de hoje é que são indecentes (risos)



Como o sr. define um relacionamento amoroso? Que é um assunto muito discutido em nossas conversas.


A ligação amorosa seria como um “tripé”, em que cada pé corresponde a uma afinidade. O amor homem mulher seria isso, não estou falando do amor entre pai e filho, mãe e filho, para não cair em Freud (risos). Como num tripé , os pés estão eqüidistantes um do outro, equilibra o peso. Um pé seria “afinidade afetiva-emocional”; a outra seria a “afinidade de valores”, morais, sociais, etc. Tem que haver, senão não há ligação. E a outra afinidade é a “sexual”. Quer dizer, isso sustenta o tripé. Mas é também preciso existir três atos. É um ato de “conviver” e não de “viver com”. É um ato de “comunhão”, e não de “simples união”, que significa partilha e identificação. É um ato de “doar-se” e não de “dar-se”. O “Eu” de um e o “Eu” do outro, sem que cada um perca a sua identidade, tem que formar uma terceira coisa chamada “Nós”. E cada um dos “Eus” têm que viver em função do “Nós”. Assim como dizia um pensador hindu, “a árvore, o rio e a montanha formam uma quarta coisa chamada paisagem.” Esse “Nós” tem que corresponder a uma paisagem , porque quando você vê uma paisagem , você não desassocia uma coisa da outra.


Quando você se recorda da árvore, lembra-se da paisagem como um todo. Assim como quando vê o rio. Esse “Nós” tem que corresponder a paisagem, sem que cada “Eu” perca sua identidade, para formar o “Nós”. É uma comunhão que ultrapassa os limites do entendimento humano. Hoje, por exemplo, os casamentos não duram mais que sete anos. E outro dia encontrei com uma moça, minha amiga, que casou em maio, fiquei tempo sem ver. Quando a encontrei, ela já estava separada!



A que o você atribui a fragilidade dos relacionamentos hoje em dia?


Houve a liberação dos costumes. Que hoje não são os mesmo da minha avó. Houve a emancipação da mulher e o declínio da autoridade da família. Os rapazes e as moças saem mais cedo para morar com amigos e amigas, uma boa parte faz isso. E a emancipação da mulher, pela evolução econômica, a mulher já é senhora de si, não depende do dinheiro do marido. A família hoje não é mais ampla, hoje é nuclear, pai e mãe e filho. Minha avó teve 12 filhos!



Mas a emancipação da mulher não é positiva?


A emancipação da mulher é algo positivo, mas o homem não aceita isso ainda, ele ainda está em fase machista e patriarcal. Vem daí os desencontros, distorções, crimes, assassinatos da mulher que “abandona” o homem... Ele mata não porque foi abandonado, mas porque ela decidiu viver com outro. O homem ainda não aceitou a emancipação da mulher em tudo o que ela representa. Ele ainda quer ser o chefe de família, ser dominador, quando hoje não existe mais isso de chefe de família, o importante é o casal. E nessa época do Natal é ruim para filhos de pais separados, porque as famílias, até as nucleares, estão dissociadas, um filho do primeiro casal fica dividido entre duas ou três famílias, quando os pais se casam novamente. Então, a emancipação da mulher... o homem ainda não aceitou; ainda vivemos a fase machista, ainda quer ser o dono da casa, o senhor.



Porque o sernhor não casou de novo?


Eu não me casei, na verdade eu vivi com uma moça um número de anos lá no Rio. Mas não é que eu não casei porque não procurei. Eu encontrei algumas vezes.



Por que o sr. não paquera as mulheres da sua idade?


Porque elas reclamam muito do reumatismo (gargalhadas!) Porque o joelho tá doendo muito, não quer andar, sair da cama, etc.



Esse carinho especial pelas mulheres mais novas é uma paixão fraternal, ou uma forma de se rejuvenescer?


Não sei se é uma forma de rejuvenescer ou de envelhecê-las (risos), porque estou com quase 81 anos. Quer dizer, mas espiritualmente e fisicamente eu me sinto jovem, faço caminhadas, a passo acelerado, nado, leio bastante, leio revistas e livros, me mantenho atualizado. Leio até revistas de áreas de estudos especificas, além das revistas semanais. Gosto muito de arte, gosto muito.



Mas o sr já esteve realmente apaixonado?


Olha, eu tive um professor que dizia que a paixão, a chamada paixão, do cara ficar obcecado, isso é obsessão. O que existe é amor, que é o tripé, que é ato disso, daquilo, como expliquei. Essa tal “paixão” é negativa. O amor é construtivo. O sujeito, quando ele... quando ele mata por “paixão”... mata ou se mata, na realidade, ele não estava amando, porque o amor é construtivo, isso é obsessivo, não é amor. Essa coisa do sujeito só pensar “nela”, ele tá unilateralmente olhando só para o segundo ou primeiro “Eus”, ele não está vendo ele e o “Nós”. Um está anulando o outro. Porque o amor é construção, é um ato de doar, de comunhão. Na obsessão, ele quer ser doado e quer que ela se doe, e ele não se doa. Ele quer um ato de conviver, mas o conviver é o “Ela” apenas. Quer comunhão, mas comunhão é “Ela” apenas. Isso destrói a personalidade.



Você acha que, em certo aspecto, o Vinicus de Morais era obsessivo?


Não, ele era mais construtivo. Era uma forma de viver intensamente. O Vinicius amava o amor, mas o amor tinha a forma de mulher, porque ela que materialmente, que de forma visível, carnal, expressava, traduzia, esse amor. Esse amor pelo amor. Sabe? O Vinicus sofreu grandes injustiças durante o governo ditatorial, e foi chamado até de vagabundo, e foi demitido quando era cônsul em Paris. Quem demitiu o Vinicus, não o compreendeu. O homem se fechou em viseiras e não via o mundo.



Como é viver 80 anos? Como você sentiu o tempo passar?


Na realidade, eu não senti o tempo passar, porque não foi ele que passou, fui eu! Eu que passei pelo tempo. Então, a gente ... vai... As coisas não se transformam de uma hora para outra. A lentidão dos dias, das horas, dos minutos e tal, você não vai sentindo as transformações. É muito lento. Por exemplo, eu não vejo um sobrinho-neto há, não via, há uns quatro anos. E outro dia eu o vi. Ele veio do Rio e tal e me encontrei com ele. A última vez que eu o vi ele tinha 3 anos. Quando reencontrei, estava com 7 anos, e me espantei ao vê-lo. E os pais não acharam, como eu achei, que ele havia crescido tanto, porque não sentem o crescimento dele. A vida é mais ou menos isso, a gente não sente ela transcorrer porque as mudanças são muito lentas, milimétricamente falando. Só após 2 ou 3 anos você vai sentir que a coisa cresceu, que está diferente.


Outro dia vi uns retratos meus quando criança, inclusive aquele clássico de bundinha para cima aquela coisa e tal no berço, depois 5 anos, 10 anos. E as mais recentes. As diferenças foram notáveis e eu não percebi isso no espelho. Ninguém percebe. Nasce um cabelo branco, você nem repara. No fim de 10 anos, a cabeça já está toda branca e você nem percebeu.