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Blog para divulgação de artigos e textos jornalísticos que transgridam o conceito do jornalismo online.

Saturday, October 17, 2009

A celebração dos 20 anos de uma parceria singular


Um samba, que não é samba. Um rock, que não é rock. Essa dificuldade em se definir a que gênero pertence grande parte da música que continua a fluir do movimento “Vanguarda Paulista”, dos fins dos anos 80 até hoje, não é exclusividade dos críticos. “Minha música é tudo o que não é”, diz categoricamente a cantora Alzira Espíndola, sem o franzir da testa daqueles que procuram, desesperadamente, apenas catalogar. “A música que tem um rótulo, às vezes, é tão bem feita dentro da sua proposta, que tem que tirar o chapéu. Essa coisa mais de produção de massa é difícil de lidar. Eu não sei, decididamente. Gosto de ser singular e de ter, pelo menos no material, o meu campo onde eu posso cuidar. Cada um está aí para o seu talento.”

E é nessa singularidade que o movimento, até hoje, obtém seu sucesso, independentemente da venda de discos. Prova disso poderá ser experimentada pelo público de Curitiba, que no sábado (17/10), receberá Alzira e a poetisa Alice Ruiz, sua parceira há 20 anos, no show do disco “Paralelas”, no Teatro Paiol. O disco foi lançado em 2005, pela Duncan Discos, da cantora Zélia Duncan, e vendeu uns dois mil exemplares, conta Alice, que está feliz por apresentar, finalmente, o seu trabalho ao vivo para o público da sua cidade natal. E, também, comemorando a vitória de seu segundo prêmio literário. Em setembro, ela venceu o Prêmio Jaboti de Poesia, com o livro “Dois em Um”, com toda sua poesia publicada na década de 80. O primeiro prêmio Jaboti foi com “Vice Versos”, em 1989.

“A gente faz uma música que tem certo compromisso com o novo, com certa ruptura. Tem esse feeling de Vanguarda Paulistana. Ambas fomos parceiras do Itamar Assumpção. É um tipo de música que não se não toca muito no rádio e o fato de ter poemas no disco, talvez, cause estranhamento”, comenta Alice, que também não tem por que se preocupar. Primeiro, porque suas poesias, declamadas na música, ou interpretadas por Alzira, Zélia Duncan, Arnaldo Antunes, Cássia Eller e Zeca Baleiro, Dona Zica, entre outros, ganharam seus espaço dentro ou fora da grande mídia. E, além disso, ela não tem tempo para checar a quantas anda cada uma de suas produções. Está sempre viajando, dando palestras sobre haikais, uma de suas grandes paixões. Além do prêmio literário, está também preparando outros livros. E sua filha, Estrela Ruiz Leminski, caminha nos mesmos passos na poesia e na música, e também participa do show, ao lado das convidadas Rogéria Holtz e Luciana Worms.

Comida é arte – Alice espera também levar o show para Campo Grande, terra natal de Alzira. Para que o show seguisse até Curitiba, foi preciso uma grande dedicação da produtora Tatjane Garcia, que correu atrás de patrocínio, batizando o projeto de “Para Elas”. “Quando a Alice ganhou o segundo Prêmio o projeto ‘Para Elas’ já estava aprovado. Mas o primeiro Jabuti contribuiu na aprovação. Coloquei esse nome porque tem uma música no CD com este título, mas o projeto é para o lançamento do CD Paralelas e a comemoração dos 20 anos de parceria da Alice e da Alzira, que se conheceram em 1989”, diz Tatjane, que conseguiu recursos para o show com a ajuda principal da Eletrosul Centrais Elétricas e da Itaipu Binacional, entre outros.

Segundo a produtora, o show também terá o objetivo de levar cultura a duas comunidades quilombolas do Estado. A entrada para o evento será um livro, usado ou novo. Romance, ficção, pode tudo, menos livro didático. “Essas comunidades passam necessidade, mas sempre estão recebendo alimentos. Mas eles também têm outro tipo de fome”, diz Tatjane. Os livros serão enviados para as Comunidades “Paiol de Telha”, em Guarapuaba; e comunidade de “João Sura”, no município de Adrianópolis. (Roger Marzochi/AE)

Monday, October 05, 2009

Em homenagem ao jazz e à música erudita

O maestro João Carlos Martins se apresentou na sexta-feira (02/10) com Dave e Chris Brubeck e a Orquestra Bachiana. Como portfólio do meu trabalho, coloco aqui a matéria completa, divulgada em julho. As fotos são de divulgação, cedidas pelo maestro, exceto as imagens da capa da revista Time e da capa do disco Time Out.


Família Brubeck sob a regência de um brasileiro

Ele não para. De pé, ouvindo "Brandenburg Gate", composta por Dave Brubeck em homenagem a Johann Sebastian Bach, ele fecha os olhos, balança o corpo num vaivém como o de um metrônomo e, com os braços, circunda no ar os compassos com a ponta dos dedos. Quem não o conhece, poderia supor que ele é mais um dos inúmeros fãs do celebrado músico americano. Mas este admirador especial é o maestro e pianista clássico João Carlos Martins, que está no escritório de sua cobertura, em São Paulo, aproveitando ao máximo o tempo para decorar todos os movimentos de seis obras que regerá com a sua Orquestra Bachiana e seu amigo Dave, no dia 2 de outubro, no Avery Fisher Hall at Lincon Center, em Nova York.

"É grande a responsabilidade. E eu tenho que decorar tudo, porque não posso virar a página da partitura", diz, relembrando seu desafio. Devido a acidentes e fatalidades, perdeu a mobilidade dos dedos para o piano. Passou ainda por sucessivas e dolorosas experiências, tanto envolvendo a música como na política. Mas voltou a tocar piano com dois dedos na mão direita, três na esquerda, e ao receber o diagnóstico definitivo dos médicos, decidiu virar maestro, num exemplo de superação pela música, apesar da impossibilidade de folhear as páginas de partitura e manter a batuta em punho. No final do mês, lançará seu novo disco, "Páginas de uma história", que mescla a narrativa de sua história à música. Este mês, esteve em Wilton, Connecticut (EUA), na casa da família Brubeck para ensaiar e acertar os detalhes das apresentações.

A amizade entre Brubeck e Martins teve início em 1970, quando o pianista brasileiro, no auge da sua carreira, reconhecido internacionalmente como o maior interprete de Bach, fazia um recital no Anchorage Festival, no Alasca. "O que nós ouvimos foi impressionante", relembra Dave, na contracapa do convite do show. "Era Bach na forma que eu imaginava que deveria ser executado. Um dos meus filhos adolescentes disse a João: 'Quando você toca Bach, isso soa muito como jazz'. 'Não', disse Martins. 'Você quer dizer que jazz soa muito como Bach'."

Influência - Martins, que iniciou sua carreira clássica nacional aos 13 anos, e a internacional aos 18, ouvia as músicas de Dave através do piano do carioca Dick Farney (1921-1987). "Quando eu tinha uns 14 anos, morava na Avenida Santo Amaro, descia umas oito quadras para ver um pianista brasileiro de jazz fantástico chamado Dick Farney. Achava fantástico como a improvisação de um pianista de jazz tem tudo a ver com Bach e as improvisações dele no século XVIII. Nunca tive jeito para o jazz, mas admirava. E o Dick dizia para mim: 'o maior gênio na história do jazz chama-se Dave Brubeck'. E ele tocava as músicas dele para mim. Até que eu aprendi uma música dele, 'Thank You', em homenagem a Chopin."

No concerto de Anchorage, quando ficou sabendo pelo diretor do festival que a família Brubeck estava na plateia, Martins tocou duas composições suas, "Thank You" e "Blue Rondo". A primeira será tocada por Brubeck e Martins em outubro, juntos ao piano.


Sete notas musicais, sete pianos entre Dave e Martins


Sete pianos colocam na linha do tempo a vida de Dave Brubeck e João Carlos Martins. Dave Warren Brubeck queria ser caubói como o pai, estudou até veterinária, mas partiu para a música, revolucionando as estruturas e os acordes do jazz com "Time Out". Quando Dave deixou o clássico "The Brubeck Quartet", em 1967, buscou ficar mais tempo em casa para criar os filhos, ensiná-los a tocar. Lá compôs cerca de 500 peças, compondo oratórios, músicas sacras, sinfonias e até música para balé. A intensa produção e o desejo de ensinar música aos filhos fizeram com que casa de Dave se transformasse num verdadeiro estúdio, contando com sete pianos, e muitas partituras espalhadas.

Nascido em 1940, João Carlos Martins teve contato com o piano após ganhar um de presente do pai, que queria animá-lo após uma cirurgia no pescoço, quando tinha seis anos. Os outros três irmãos também gostaram, e a casa também chegou a ter sete pianos. Aos 11 anos, João estudava seis horas diárias e, assim como Brubeck, criou um estilo próprio de interpretar as obras de Bach, gravando a obra completa do mestre.

Aos 20 anos, estreou no Carnegie Hall com o patrocínio de Eleanor Roosevelt. O sucesso não demorou a alçá-lo à condição de maior interprete de Bach e de ser comparado ao canadense Glenn Gould. "A primeira vez que eu o ouvi, no início dos anos 60, ele tocava como um possesso... totalmente possesso. O que eu senti ao ouvi-lo foi algo comparado ao enternecimento de uma mulher, creio, na hora do parto", conta o empresário Jay Hoffman, em entrevista ao documentário alemão sobre a vida do pianista "A paixão segundo Martins", de Irene Langmann, vencedor de quatro festivais internacional em 2004.


Chris Brubeck
"Há uma geração que acha que a música de Kenny G é jazz"


Ao deixar "The Dave Brubeck Quartet" em 1967, Dave Brubeck investiu em sua carreira unindo seus filhos ao seu redor. Chris Brubeck, 57 anos, é um dos quatro filhos de Dave que abraçaram o ofício do pai, e hoje viaja pelo mundo tocando jazz com o seu "Brubeck Brothers Quartet", com seu irmão Daniel. O próprio Chris integrou o "The Dave Brubeck Quartet". Como compositor, é destacado por seus arranjos para orquestra. O contato com a música era inevitável, mesmo porque Dave compôs "Crazy Chris", música inspirada pelo nascimento do filho. Na entrevista, ele conta sobre sua experiência familiar, música e os desafios para o jazz hoje. Nos dias 13 e 15 de agosto, Chris Brubeck estará em São Paulo , apresentando-se no teatro do CIEE, no Itaim Bibi, onde tocará com a Orquestra Bachiana o seu primeiro "Concerto for Bass Trombone and Orchestra", do disco "Bach to Brubeck", gravado com a The London Symphony Orchestra. "E falando de Bach, a primeira faixa do CD traz dois famosos prelúdios de Bach com arranjos que eu fiz para orquestra", explica Chris, em entrevista por e-mail.

Como seu pai te apresentou ao mundo da música?
Eu cresci ouvindo a música de meu pai em toda a parte da casa quando eu era criança. Em termos de "aulas" formais ele realmente não era meu professor pelo simples fato de estar em turnês a maior parte do tempo. Entretanto, eu aprendi muito com ele ouvindo seus ensaios com talentosos músicos como Paul Desmond, Joe Morello, Eugene Wright e Gerry Mulligan. Mais tarde, eu toquei com todos eles o que foi realmente algo muito gratificante. Eu também toquei baixo elétrico fretless e trombone baixo no quarteto de Dave por mais de uma década. Fazer concertos ao redor do mundo com músicos de jazz destacados é a melhor "aula" de música que você possa imaginar.

Como a música ajudou a manter a família Brubeck unida?
Após Dave deixar o "Quarteto Clássico", com Paul, Gene and Joe, ele formou um grupo chamado "The New Brubeck Quartet". Nos anos 70, eu e meus irmãos (Darius no teclado e Dan na bateria) tocamos com Dave em muitos lugares no mundo e foi um tremendo sucesso no famoso Festival de Jazz de Montreaux, na Suíça. Fizemos 2 LPs pela Atlantic Records - "Two Generations of Brebeck" e "Brother The Great Spirit Made Us All". Nos reunimos ocasionalmente com meu irmão mais novo, Mattew, que toca violoncelo. Esta "banda familiar" fez concertos com a Orquestra Sinfônica de Londres. Dan e eu temos um grupo chamado "The Brubeck Brothers Quartet", com Mike DeMicco na guitarra e Chuck Lamb no piano e tocamos em grandes festivais como Detroit e Newport. Às vezes, fazemos jams com o quarteto atual de Dave.


Quando você se decidiu em ser um músico?
Quando eu tinha 5 anos. Eu queria aprender contrabaixo, o que era muito grande para mim. Eu costumava ficar embaixo do piano, próximo de onde estava guardado o contrabaixo acústico de Gene Wright e eu o tocava ali enquanto estava deitado no chão. Dave insistiu para que eu começasse com o piano, para que eu pudesse aprender como ler e escrever ambas as claves.


Como é fazer música clássica e jazz?
Quando eu estou escrevendo uma partitura para orquestra, existem muitos detalhes para se pensar, para criar a música, o que é formidável. E é emocionante quando você escuta o resultado final com a orquestra. Quando eu faço uma apresentação de jazz é um alívio não ter nada que escrever. Os músicos podem usar suas habilidades para improvisar e criar a igualmente válida, mas diferente, música. Eu gosto de unir jazzistas e músicos clássicos. Por exemplo, no último CD do Brubeck Brothers, "Classified", nós gravamos uma música chamada "Vignettes for Nonet", com o nosso grupo de jazz e um quinteto de sopro com instrumentos de madeira. Nós também fazemos concertos com orquestras o que combina com a liberdade da improvisação com a disciplina da música clássica. Eu amo ambos os gêneros de música e cada uma fornece alívio e contraste ao outro.

Em agosto, você se apresentará em São Paulo com a Orquestra Bachiana. É sua primeira visita ao Brasil? Qual sua expectativa para o show?
Eu fiz um tour pelo Brasil nos anos 70, como havia mencionado. Foi uma experiência fantástica. Eu percebi que o brasileiro é, em geral, muito mais musical do que o americano. Eu vou tocar aí meu primeiro "Concerto for Bass Trombone and Orchestra", gravado com a The London Symphony Orchestra, do disco "Bach to Brubeck". E falando de Bach, a primeira faixa traz dois famosos prelúdios de Bach com arranjos que eu fiz para orquestra. O maestro João Carlos Martins adora a forma como eu fiz o arranjo, e o tocaremos com a Orquestra Bachiana. E ele já o executou esse arranjo no Carnegie Hall, o que foi uma grande honra.

Qual a sua opinião sobre o caminho que o jazz tomou? Wynton Marsalis, por exemplo, continua ousando e fazendo novos sons com a forma antiga de se fazer jazz. Qual é o principal desafio do jazz hoje?
Eu profundamente respeito aquilo que você se refere a "forma antiga de fazer jazz"... baseado na improvisação em cima das mudanças de acordes que se repetem dentro de uma estrutura. É o que Dave faz como compositor de jazz e o que a maioria dos meus amigos músicos tem feito: improvisar bem em cima de acordes. Aliás, é o que Bach fazia. Ás vezes, eu fico cansado em repetir as estruturas e gosto de experimentar novas formas, na maioria das vezes, por meio da música clássica. Até em temas tradicionais há recapitulações. É parte da criatividade que o compositor utiliza para fazer a melhor arquitetura para conquistar os ouvintes.

Esse é o grande desafio do jazz?
O grande desafio do jazz, ao menos na América, é manter os admiradores que apreciam o que os músicos e compositores estão fazendo. Jazz é um "guarda-chuva" que cabe muita coisa e agora há uma geração que acha que a música de Kenny G é jazz. Esse gênero é o que mais vende. No meu caso, eu tenho esperança em tocar para pessoas que apreciem música clássica e jazz movidas por minha experiência única como músico, compositor e ser humano.


Dave Brubeck
"É incrível que 'Time Out' sobreviveu ao teste do tempo"

Há 50 anos, influenciado pelo compositor francês clássico moderno Darius Milhaud, o pianista americano Dave Brubeck revolucionou o mundo do jazz com o álbum "Time Out", do qual se destacou "Take Five", um dos clássicos da música do século 20, que ainda hoje causa arrepios a todos os amantes do jazz ou aspirantes a músico tão logo tem início o inebriante solo do saxofonista Paul Desmond. Brubeck desenvolveu uma técnica inovadora que aliava o contraponto (técnica de condução da linha melódica) ao poliritimismo e com isso entrou para a história da música, ampliando seu talento posteriormente não apenas no jazz como também na criação de oratórios e até música para balé. Em entrevista por e-mail, de sua casa em Connecticut (EUA), Brubeck fala de sua vida, de seus projetos, do prazer que, aos 88 anos, lhe proporciona a música e, principalmente de seu legado às futuras gerações. "Tenho muito orgulho das muitas "portas" que se abriram", afirma.

Agora que o mundo da música celebra o aniversário dos 50 anos de "Time Out", gostaria de saber sua principal influência ao fazer este álbum. A música clássica é uma das principais chaves para se entender a revolução que o senhor fez com o compasso e o ritmo do jazz?
É incrível que "Time Out" sobreviveu ao teste do tempo. Quando eu tentei pela primeira vez encontrar uma gravadora interessada em gravar meu grupo, todos disseram que não estavam interessados. Eu tive que começar a Fantasy Records para divulgar minha música. Depois, eu perdi o controle da gravadora para meus "parceiros", mas terminei na Columbia Records. "Time Out" quebrou todas as regras. Havia somente composições originais, o que foi altamente desencorajado pela Columbia. Além disso, as composições eram todas em estranhos compassos. Não havia uma garota bonita na capa, nós queríamos arte moderna. O departamento de marketing não queria o LP, e sentou em cima dele por um ano e meio. O presidente da Columbia, (naquele tempo eles eram pessoas com inclinações para a música, não advogados e puros homens de negócio), achou que a gravação tinha um som e um estilo especial e, seguido pelos seus instintos musicais, usou o seu poder para ignorar o departamento de marketing. O resto é história.

Quando o senhor começou a estudar música, quase foi expulso da Faculdade porque descobriram que não sabia ler partitura. Como superou isso?
Curiosamente eu superei meus problemas com a leitura de música escrevendo incansavelmente. Quando eu era criança, eu tive alguma forma de dislexia, na qual meu cérebro não processava facilmente o que meus olhos estavam vendo na partitura. Mas meus ouvidos eram tão bons que eu podia "colar" em todos os exames. Quando meu problema foi descoberto no exame final da Universidade, a escola ficou dividida entre os que queriam me reprovar, e os que gostariam de me aprovar. Alguns professores disseram que eu era o melhor estudante que eles já tiveram, 'não podemos reprovar aquele rapaz'. Finalmente uma promessa foi feita, eles me deixaram me formar se eu prometesse nunca dar aulas, em lugar algum. E isso deu certo. Agora, a mesma universidade é o lar do Brubeck Institute, na Universidade do Pacífico em Stockton, Califórnia.

E a música clássica?
Meu interesse em música clássica começou com a minha mãe, que era também uma pianista clássica. Aliás, meu pai era um caubói, e eu cresci como um caubói que também aprendeu piano com a mãe. Ela ensinou piano para todas as crianças em nossa pequena cidade do norte da Califórnia. Após a Segunda Guerra Mundial, eu estudei com o compositor francês Darius Milhaud. Ele me disse que o futuro da música clássica americana era incorporar o jazz ao mundo orquestral. Ele me alertou para não imitar a tradição europeia. Jazz era realmente uma original e peculiar forma de arte americana. Ele foi o meu mentor sob diversos aspectos e eu segui o seu conselho à medida em que escrevia mais e mais música clássica.

Como foi o seu relacionamento com outros mestres do jazz com os quais o senhor conviveu, como Duke Ellington, Louis Armstrong e Paul Desmond. É verdade que, quando a revista "Time" optou pelo senhor a Duke Ellington em sua capa em 1954, o senhor teria dito a Duke que ele é que merecia o espaço?
Duke Ellington (1899-1974) foi o meu herói na música. Você podia ouvir em sua música que ele era um compositor a frente do seu tempo, que estava constantemente expandindo o vocabulário do jazz e as estruturas tradicionais do jazz. Nossa banda fez um tour junto com Duke, e ele me mostrou que eu estava na capa da "Time Magazine". Deveria ter sido ele, que era já um grande mestre, enquanto eu era um músico novo que estava justamente começando a deixar minha marca no cenário nacional do jazz.

E sobre Armstrong?
Louis Armstrong (1901-1971) foi outra lenda internacional. Minha mulher Iola, que é uma grande letrista, e eu escrevemos um musical para ele chamado "The Real Ambassadors". Nós o gravamos com a Columbia Records juntamente com a banda de Louis. O objetivo era fazer uma turnê ao redor do mundo. Foi apresentado apenas uma vez, no The Monterey Jazz Festival. Muitos continuam considerando uma das apresentações mais importantes que já se viu naquele grande festival. Mas foi considerada muito controversa para a Broadway.

Apesar das desavenças iniciais com Paul Desmond, o que o ligava a ele?
Paul Desmond e eu tínhamos uma química musical muito especial que nunca será repetida. Ele era como o tio de meus filhos, e nós nos preocupávamos realmente um com o outro. Eu era "homem de família", enquanto Paul era um solteiro incorrigível. Nossos modos de vida eram completamente diferentes. Mas a nossa proximidade musical nos manteve juntos. Ele entendeu meu objetivo de improvisar por meio de contrapontos (uma ideia mais da música clássica) o que foi um elemento que eu gostaria que fosse característico do meu estilo de jazz. Ele tinha um lirismo belíssimo quando tocava. Eu acho que foi o guitarrista Jim Hall que disse: "Paul é o único cara que consegue improvisar uma melodia num acorde que é ainda mais bela que a melodia original." Ele era um músico único.

No site de seu instituto, o senhor afirma que gostaria de ser lembrado como "aquele que abriu as portas". O Instituto, claro, foi uma forma, ao incentivar o estudo da música. O senhor também abriu portas para o jazz e a música clássica. É ainda a forma como o senhor gostaria de ser lembrado?
Quando eu olho para a minha carreira eu tenho muito orgulho das muitas "portas" que se abriram. Foi ideia da minha mulher em promover concertos em universidades, acredite ou não, isso não havia sido feito antes. Muitas pessoas sabem que meu grupo foi o primeiro a tocar compassos inusuais como 5/4, 9/8, 7/4, etc. Meu grupo percebeu os desafios quando integramos Eugene Wright como baixista. Ele é afro-americano e nós tivemos que nos levantar contra essa forma limitada de pensamento nos Estados Unidos. O tour do nosso Departamento de Estado abriu também meus ouvidos a sons de culturas musicais totalmente diferentes, e eu incorporei a música e os elementos rítmicos na minha música. Minha colaboração com meu irmão Howard (que foi um grande compositor e arranjador) com Leonard Berstein e a Filarmônica de Nova York foi uma nova "porta" pela qual os músicos de jazz puderam passar.

Como o senhor consegue manter uma agenda repleta de shows, prestes a completar 89 anos? O que o leva a tocar todo dia, com o mesmo vigor de quando começou sua carreira?
Felizmente, as pessoas continuam querendo me ouvir tocar minhas músicas. Eu tenho muita sorte em ter esses fãs que apreciam o meu grupo. Tocar me dá grande alegria e faz me sentir mais jovem. Diferente das viagens para realizar concertos, que me fazem sentir a minha verdadeira idade. Minha família está a todo momento me dizendo para reduzir a quantidade de concertos por ano, e cortar as viagens de longa distância.

No dia 2 de outubro, você será regido em Nova York pelo brasileiro João Carlos Martins, com a Orquestra Bachiana. O que significa para você esse concerto?
Eu conheci João Carlos Martins no Alasca num festival de música. Eu já o havia visto na televisão quando jovem e ouvi alguns de suas gravações fantásticas. Ele me honrou ao tocar "Blue Rondo a la Turk" durante seu concerto. É um sonho maravilhoso trabalharmos juntos em Nova York no próximo outono agora que ele se fez um habilidoso maestro.



"Nada faz um pai se sentir tão orgulhoso quanto tocar com seus filhos"



O trote do cavalo marcando o compasso, o vento de encontro ao rosto. E, contrapondo-se ao movimento, o som. O que para alguns isso é simplesmente cavalgar, para outros, é inspiração musical. Foi essa sensação rítmica que levou Dave Brubeck a se aventurar no jazz, ao criar contrapontos aos sons da fazenda onde vivia, e na qual gostaria de ser caubói. Hoje, aos 88 anos, orgulha-se de ter não apenas criado há cinco décadas "Time Out", o disco de jazz que vendeu mais de um milhão de cópias, mas também por ter sido aquilo que hoje é exatamente como ele deseja ser lembrado: o "cara que abriu as portas", ao fundir jazz com música clássica e por conseguir levar seus filhos pelo mesmo caminho.

Na realidade, os celebrados 50 anos não marcam exatamente a data de lançamento do disco. As sete músicas do álbum foram gravadas de 25 de junho a 18 de agosto de 1959, mas o que praticamente se tornaria uma obra de arte e um sucesso de público, pareceu "nada comercial" à Columbia, que estranhava tanto as músicas como a capa do artista Neil Fujita, e só o lançou em 1960.

O estranhamento também se deu em parte do público e entre alguns músicos à época por fatores que então contaminavam a sociedade americana. Primeiro porque Dave, o sax alto Paul Desmond e o baterista Joe Morello eram brancos e o contrabaixista Eugene Wright, negro. O racismo ainda era uma barreira forte naquela época. Ao ponto de, em seu livro de memórias, o presidente americano Barack Obama ligar Brubeck às últimas recordações do pai. "Ele me entregou uma bola de basquetebol e alguns discos de músicas africanas, que dançamos juntos, e me levou para assistir a um concerto de Dave Brubeck. Depois disso, nunca mais vi meu pai."

Brubeck deixou de tocar em vários clubes e universidades que se recusavam a deixar Eugene subir ao palco. Em contrapartida, o mesmo sofreu o "branquelo" Bill Evans quando entrou para a banda do trompetista Miles Davis, que também experimentava novos acordes e compassos no jazz em seu "Kind of Blue", lançado em agosto de 1959. Além de branco, Evans havia substituído Red Garland, o que provocou protestos do público negro, lembra o jornalista Ruy Castro, em sua obra "Tempestade de Ritmos".

Até Miles criticava Brubeck. Segundo Dave, o trompetista lhe disse que ele até tinha swing, mas a sua banda não. O mesmo diriam alguns críticos, que rotularam sua música como "West Cost Jazz", o que virou uma sinônimo de música de "brancos". "Eu me preocuparia se Duke Ellington não gostasse", diz Brubeck em documentário gravado pela TV Educativa da Carolina do Sul, em 2001. Duke, aliás, perdeu para Brubeck a competição pela capa da "Time" em 1954, o que deixou o protagonista com um misto de alegria e tristeza. Duke pode ter feito como quando perguntado sobre o que fazia ao não poder entrar em um hotel pela cor da sua pele. "Eu reunia as forças necessárias para franzir a testa, e escrevia um blues", dizia segundo o documentário "A História do Jazz", de Ken Burns. Mas, no ano seguinte, Dave fez uma música para o amigo, "The Duke".

Fora do tempo - As músicas do cinquentão "Time Out" soavam tão estranhas à época porque Dave é apaixonado também por música clássica, de onde ele trouxe para o jazz o compasso composto, o poliritimismo. Ele tirou o blues de seus 12 compassos e igualmente até então imutável tempo 4/4 ou 3/4, e a politonalidade, tocando acordes que fazem contrapontos.

Sua mãe era professora de piano, dava aulas o dia inteiro e, após o jantar, ainda praticava. Apesar de ouvir as músicas que ela tocava, e também aprender a tocar, ele sonhava mesmo em ser como o pai, fazendeiro. Mas a mãe lhe ensinou a pensar em música mesmo em cima do cavalo, ouvindo o som da fazenda, o que ele encarava como um passa tempo.

Por isso, ao desistir de faculdade de veterinária no segundo ano, Dave entrou para a faculdade de música, saindo de lá apenas sob o juramento de nunca lecionar. Ele podia escrever as notas musicais, mas não conseguia lê-las. "Deve ter sido o maior bloqueio mental de todos os tempos", dizia Dave. Nem o saxofonista Desmond, que conhecera Brubeck num octeto formado após sua graduação, conseguia entender o que saia daquele piano. Ele chegou a deixar a banda, levando Brubeck a ter que vender sanduíches em escritórios. Eles só voltam a se ver quando, após machucar o pescoço nas praias do mesmo Havaí onde tocou para Obama. Brubeck perdeu o emprego na outra banda que reunira, e convidou Desmond a se encontrarem novamente.

No ritmo - Assim, surge o "The Dave Brubeck Quartet", criado em 1951, que só recebeu Morello na bateria em 1956 e, com ele, Dave conseguiu o ritmo que tanto buscava, apesar de Desmond pedir a saída do baterista logo no início. "Nos bastidores, Joe Morello tocava (e faz o som da batida da bateria). Lá tinha o 1, 2, 3, e 4 e 5. E Paul tocou um contraponto. E eu disse que queria essa melodia no álbum porque estava no compasso 5/4", diz Brubeck, também na entrevista à TV americana. Assim nascia "Take Five". Outra composição que mostrava que Brubeck não desprezava o tempo, apenas o dominava a ponto de se colocar fora dele, é a música "Blue Rondo a la Turk", em 9/8, cujo ritmo Brubeck buscou na Turquia.

"Eu o ouvi pela primeira vez aos 22 anos, e achei também estranho, porque ele era diferente do Charlie Parker, do Miles e do Coltrane. Ele não usava as inovações do bebop. Ele pegou do classicismo europeu e pôs swing, 'Thref To Get Ready', por exemplo, me faz lembrar Joseh Haydn", conta o pianista brasileiro Marcos Borelli, 43 anos, que reuniu músicos para tocar a obra de Brubeck em casas de espetáculo de São Paulo. Em seu último CD "Idàrúdapó", as duas primeiras faixas "Choro" e "Playground" carregam influências do pianista americano.

'Cozinha' familiar - Essa foi a "cozinha" que temperou o jazz de Brubeck. No jargão musical, a bateria e o baixo, e em alguns momentos o piano, fazem a "cozinha" para os solistas. São desses instrumentos que emergem a base dos acordes, as variações das quatro principais das sete notas musicais, e o ritmo. Outros discos com experimentos com tempos atípicos dos jazz se seguiram até 1967, quando Dave deixou a banda para ficar mais tempo em casa em Wilton, Connecticut (EUA), para criar os filhos ao redor da música, compondo oratórios, músicas sacras e sinfonias. "Nada faz um pai se sentir tão orgulhoso quanto tocar com seus filhos e ver o público ficar de pé e ir à loucura", diz Dave Brubeck.

A intensa produção e o desejo de ensinar música aos filhos fizeram com que sua casa se transformasse na "cozinha" da qual o velho Dave mais se orgulha. Quatro dos seus seis filhos são músicos e, destes, três também são compositores, que já na década de 70 fazia turnês. A família Brubeck manteve-se unida, até hoje, por meio da música. Já que ele não parava mesmo em casa, porque não todos tocarem juntos? "Algumas famílias vão pescar... e nós tocávamos em concertos em todo os Estados Unidos, Europa, Austrália e até no Brasil", diz o filho Chris.